Luiza Nagib Eluf
O assunto é Dia Internacional da Mulher
O devido respeito
Enquanto estivermos presos a conceitos medievais de relacionamento de gênero, o país não alcançará o desenvolvimento que almeja
A moça era alta, magra, morena de cabelos longos, lisos e negros, olhos escuros amendoados, dentes perfeitos e lábios de fazer inveja. Advogada recém-formada, procurava emprego. Encontrou a empresa, mandou o currículo, foi chamada.
Na entrevista, pediu salário alto, achando que teria de negociá-lo depois. Que nada: aceitaram na hora, estava aprovada. Voltou para casa feliz e ficou aguardando.
Dois dias depois, o presidente da empresa liga e faz um convite. "Venha amanhã à noite tomar um vinho comigo e assinaremos o contrato." Ela se surpreendeu, disse que não poderia encontrá-lo no horário sugerido, mas na segunda às 10 horas da manhã estaria na empresa.
Constrangida, preocupada e decepcionada, a moça ligou para a tia, uma mulher de negócios, bem-sucedida e experiente. "O que faço?", perguntou. "Acostume-se", disse a tia, "é assim com toda mulher, gorda ou magra, alta ou baixa, bonita ou feia --mas com as bonitas é pior".
"Vou ou não vou?", quis saber a moça. "Vá, não perca a oportunidade. Converse, não se intimide, mostre segurança, deixe claro que pretende trabalhar. Se houver um ataque sexual explícito, reaja como seu bom senso mandar, mas sugiro que não tenha medo e diga adeus."
Mulheres são assediadas no trabalho, na escola, nas ruas e algumas, sem sorte, em casa. A lei considera crime as investidas praticadas contra subordinadas (assédio sexual, art. 216-A, do Código Penal).
Poucas vão à delegacia prestar queixa, devido às dificuldades de conseguir provas, devido ao medo ou à descrença, mas a Justiça do Trabalho vem sendo receptiva aos reclamos das empregadas, concedendo-lhes indenizações que asseguraram um pouco de dignidade à mulher no ambiente de trabalho.
Com a idade, em geral após os 40, o assédio diminui, mas não acaba. Temendo a desvalorização e o desprezo, elas recorrem à ciência, medicina e tecnologia para driblar os sinais do tempo. Aos 50, à plástica. Não há conforto nesse universo.
Pior de tudo é a sensação de injustiça social; homens parecem mais felizes, mais poderosos, não sofrem assédio nem se preocupam com a velhice porque pensam ser amados de qualquer jeito. Engano, o patriarcado acabou. Nos dias de hoje, ambos os sexos passam pelas mesmas agruras. Envelhecer não é fácil, mas tudo depende de como a idade é percebida e trabalhada.
Alguns homens ainda se sentem em posição de superioridade porque conseguem parceiras de qualquer forma, principalmente pagando --mas é só uma sensação, não é realidade. Na verdade, o desconforto é de todos, e a supervalorização do sexo na meia-idade é tragicômica (já a valorização, sem ideia fixa, é bastante benéfica).
Parece antiquado priorizar o "conteúdo" das pessoas; o intelecto anda em baixa e não faz diferença se a moça é analfabeta ou o sujeito não tem noções de higiene, o importante é o traseiro de cada um.
No Dia Internacional da Mulher, vale dizer que sentir desejo é normal, mas abusar das pessoas é ímpio. Respeitar o outro é essencial ao desenvolvimento de uma nação. Enquanto estivermos presos a conceitos medievais de relacionamento de gênero, o país não alcançará o desenvolvimento que almeja.
O respeito aos direitos da mulher como ser humano é condição "sine qua non" para o aquecimento da economia, para paz dentro e fora do lar e para o bom encaminhamento das crianças.