Rodrigo Coppe Caldeira
O Assunto é Papa Francisco
Um pontífice comunista?
Francisco --muitos fingem não saber-- tem muito claro que a "Igreja para os pobres" não deve se confundir com partidos e regimes políticos
Desde que Jorge Mario Bergoglio chegou à cátedra de Pedro, em 13 de março de 2013, as perguntas sobre quem é ele não cessam. Seus pronunciamentos, vários dos quais proferidos de improviso, fazem muita gente arregalar os olhos diante de uma liberdade inesperada vinda do chefe supremo da Igreja Católica, tida como rígida e austera.
Seu pensamento é fortemente assinalado por temas que giram em torno da reforma da Igreja e da exclusão social. A insistência corajosa sobre a questão da pobreza e a busca de uma "Igreja para os pobres" são uma constante em seus discursos e homilias.
Sua trajetória como padre numa grande cidade latino-americana, assinalada por inúmeras contradições econômicas, certamente o marcou de maneira indelével --as caminhadas por periferias e favelas de Buenos Aires e sua busca pelo sofrer junto apontam para uma existência voltada para a caridade e a compaixão, fundamentada no Evangelho.
Essa orientação para o social suscitou críticas; o papa Francisco foi chamado até mesmo de comunista, ao que rebateu dizendo que os comunistas roubaram uma bandeira que é do cristianismo: "a bandeira dos pobres é cristã" e "os pobres estão no centro do Evangelho".
O comunismo já foi analisado como "religião política" por alguns estudiosos do século 20. Ele seria uma perversão da escatologia cristã (a doutrina sobre o fim dos tempos), segundo a qual o reino de Deus seria alcançado no mundo, aqui embaixo, e não mais no céu, aquele opioide para alienar as massas.
A confusão não é nova.
No final dos anos 1940, o padre belga Joseph Cardijn, fundador da Juventude Operária Católica (JOC), visitou o Rio de Janeiro. Era o início da Guerra Fria e vivia-se na região a emergência de um combatente movimento anticomunista.
Numa entrevista à revista semanal "Témoignage Chrétien", Cardijn teria dito que, se o papa Pio 12 visitasse alguns países da América Latina e proferisse seu ensinamento, possivelmente seria denunciado como comunista e levado à prisão.
Apesar de ter se sentido na obrigação de escrever textos para aplacar as represálias sofridas em resposta a seu pronunciamento, Joseph Cardijn não retrocedeu no seu julgamento de fundo.
É evidente que o papa Francisco não é comunista. Mas certos sujeitos e grupos o veem como tal. Essa visão fica clara com uma simples volta pela web: a ideia vige em textos jornalísticos da imprensa internacional, das mais variadas tendências; em blogs e postagens nas redes sociais, à direita e à esquerda do espectro político.
A direita vê seus discursos sobre a exclusão e a justiça social como "coisa de comuna". Esquece-se, assim, do Evangelho. Em relação aos aspectos internos da Igreja, devido a seu ímpeto reformista, que os setores conservadores desejariam barrar, interpreta-o como "destruidor da tradição". Isso nasce do entendimento de que tradição é fixidez.
A esquerda, por seu turno, o enxerga como o porta-estandarte de suas causas, um justificador de suas posições políticas. Além disso, quer um papa que "mude a Igreja", um "revolucionário" --seu fetiche tradicional (em que pese a possível contradição entre os termos). Imagina uma Igreja sem hierarquia, "espiritual", bem aos moldes da heresia dos Irmãos do Livre Espírito, que fez sucesso na Europa medieval.
O magistério eclesiástico, conhecido como a doutrina social da Igreja, é objetivamente ignorado nesse movimento de cooptação ideológica que percorreu todo século 20 e continua a fazer seu curso.
Francisco --algo que muitos fingem não saber-- tem muito claro que a "Igreja para os pobres" não pode e não deve se confundir com partidos e regimes políticos, independentemente da natureza que tenham. Basta ver aqueles católicos latino-americanos que deliram de prazer com a ditadura castrista.