Francisco Catão
O assunto é Papa Francisco
Na liberdade do Espírito
Parece nos faltar a liberdade do pensamento e do coração para discernir o Espírito em que fala Francisco; mesmo teólogos não o compreendem
Que significa realmente Espírito?
Descartes e Hegel o entenderam a seu modo. Marx o acaba negando, no que é seguido por diversas correntes que concebem o agir humano sem lhe reconhecer qualquer motivação que não seja histórica. Com isso, desconhecem a liberdade, que é de ordem espiritual, qualidade do próprio agir humano.
No calor das disputas atuais sobre a liberdade de expressão, todos nos interrogamos sobre como proceder. O atentado ao "Charlie Hebdo" nos forneceu exemplos recentes.
Vendo como se reúnem pessoas das mais diferentes culturas, etnias e tradições em manifestações ecléticas, sem que tenham aparentemente nada em comum, Contardo Calligaris conclui que "para se reunir, é MELHOR que a gente NÃO compartilhe uma certeza absoluta" --como escreveu em sua coluna nesta Folha, em 15 de janeiro último, falando do ato terrorista.
Outro colunista, no dia seguinte, esvazia a expressão de que se serviu o papa Francisco para se posicionar em face dos acontecimentos (Reinaldo Azevedo, em "Francisco, por que não te calas?").
Respirando esse clima, esse espírito, digamos, sem aceitar, de verdade, o desafio da diversidade e do convívio pacífico e colaborativo com os outros, numa visão materialista do mundo, reivindica-se a liberdade de expressão, mas não se suportam opiniões diferentes das próprias nem a simplicidade evangélica da linguagem pastoral do papa.
Diante de interpretações contraditórias, nos perguntamos: por quê?
Parece nos faltar a liberdade interior, do pensamento e do coração, para discernir o Espírito em que fala Francisco, que é o Espírito do Evangelho, a boa nova de Jesus assinalada por Mateus, na abertura de seu primeiro grande discurso: as bem-aventuranças (Mt 5,3-12)
Não é, de fato, fácil discernir os espíritos. Até teólogos de formação ou analistas da política eclesiástica, ofuscados pelo fascínio da realidade social e política, a que parecem dar valor máximo, não compreendem Bergoglio. Descaracterizam seu pensamento de total fidelidade ao Espírito de Jesus.
Francisco, sem se enfeudar em nenhuma teologia atrelada a objetivos políticos ou revolucionários, coloca-se sempre na perspectiva evangélica. Comprova-o a denúncia das "tentações" a que estamos sujeitos na Igreja, quando exortou colaboradores imediatos à fidelidade ao Evangelho, na fala de 22/12/14.
Não se pode conceber a democracia sem o espírito de respeito a todos, reconhecendo-lhes o direito de se manifestar civilmente, sem o que ela passa a ser, de fato, oligarquia --ou, ainda pior, tirania do pensamento único, opressão institucional, que se manifesta pela fala, pela agressividade ou pela força policial. Recursos que não nos são estranhos e que têm muito em comum, do ponto de vista do espírito.
Nem sempre Francisco tem sido compreendido. O fato de não concordarmos com ele, porém, não nos autoriza dizer que se cale, principalmente porque procura falar a todos, que de algum modo, buscamos a liberdade, na Igreja sem fronteiras, como disse aos migrantes, na mensagem de 3/9/14.
Convoca-nos a agir com Espírito, no respeito ao outro, o que é uma exigência do amor, manifestando-se em atos concretos de compreensão, de perdão e de acolhimento.