Hélio Schwartsman
Ética em pesquisa
SÃO PAULO - Foram pesadelos bioéticos reais que levaram à adoção de normas rígidas para regular experimentos com seres humanos.
Num dos exemplos mais infames da história recente, o governo norte-americano manteve até 1972 um programa científico que tinha o objetivo de avaliar a progressão natural da sífilis. Para tanto, privou durante décadas centenas de negros de tratamento com antibióticos. Os "voluntários" não apenas não receberam injeções de penicilina que os curariam como nem sequer foram avisados de que tinham a doença.
Depois desse e de outros casos igualmente aterradores, não há como não defender que os padrões para pesquisa com cobaias humanas sejam rígidos e incluam itens como o consentimento esclarecido e a comunicação obrigatória do diagnóstico.
Daí não decorre, porém, que reguladores não tenham exagerado. Hoje é muito difícil, por exemplo, conseguir autorização para colher dados nos milhões de prontuários médicos guardados em hospitais sem obter antes o consentimento de cada paciente ou de seus responsáveis. E essas informações, quando consideradas no agregado, contêm respostas para dúvidas sobre tratamentos que poderiam salvar muitas vidas. Está tudo lá, mas não podemos olhar.
E o problema não está restrito à medicina. Os padrões éticos mais elevados foram estendidos a outras áreas do conhecimento. Ficou complicado, ainda que não inteiramente proibido, obter de algum comitê de ética autorização para mentir para os voluntários. Em princípio, faz todo o sentido. Mas, em campos como a psicologia, pesquisas relevantes e com baixo potencial de dano para as cobaias podem estar sendo deixadas de lado. Testes que se revelaram capitais para compreender melhor a natureza humana, como os célebres experimento de Milgram ou o da prisão de Stanford, dificilmente seriam aprovados nos dias de hoje. Será que não estamos perdendo algo?