Vitor Marchetti
Presidencialismo ou parlamentarismo?
Sistemas parlamentaristas são regimes em que a agenda do Executivo encontra com mais facilidade respaldo e apoio no Poder Legislativo
É cada vez mais frequente ouvir o diagnóstico de que vivemos no Brasil um momento parlamentarista. A dificuldade da presidente em formar e aprovar uma agenda de governo e o crescente protagonismo dos presidentes da Câmara e do Senado, em especial o de Eduardo Cunha, construíram a imagem de que o presidencialismo cedeu lugar ao parlamentarismo.
Isso tudo em decorrência das deficiências no funcionamento de nosso sistema de governo. Parece-me, entretanto, que a comparação é feita com diagnósticos equivocados.
A literatura especializada argumenta, desde a década de 1990, que o funcionamento dos presidencialismos de coalizão guardam muita semelhança com o funcionamento dos parlamentarismos.
A capacidade do Executivo para liderar e aprovar uma agenda de governo no Legislativo não seria capacidade exclusiva de um primeiro-ministro que conta com o apoio e a confiança do Parlamento. Conferindo certas ferramentas ao presidente, a engenharia institucional do presidencialismo poderia garantir ao Executivo federal o mesmo nível de apoio e cooperação.
Em condições normais de funcionamento, portanto, a relação entre o Executivo e o Legislativo nos dois sistemas pode encontrar formas de colaboração e estabilidade que garantam a governabilidade e a coordenação da agenda política.
O que ocorre neste início de segundo mandato de Dilma é a implosão das pontes com o Parlamento pela impossibilidade e incapacidade de acionar essas ferramentas de cooperação e coordenação.
A liderança do presidente da Câmara surgida nesse cenário em nada se parece com um funcionamento regular de sistemas parlamentaristas. Aliás, nossa conjuntura se assemelha mais a uma situação em que esses sistemas funcionam mal.
Uma crítica clássica aos parlamentarismos é o risco do "assembleísmo". Em condições de alta fragmentação do Legislativo e instabilidade da liderança do Executivo, surge uma situação marcada pelas seguintes características: poder disperso e atomizado, responsabilidades diluídas, baixa disciplina partidária, forte incerteza em relação ao comportamento do Legislativo e falta de coesão e clareza em relação à agenda política.
O protagonismo do presidente da Câmara dos Deputados não pode ser confundido como uma demonstração do fortalecimento institucional do parlamento na condução do debate político.
Os sistemas parlamentaristas não podem ser entendidos como os regimes políticos em que o Poder Legislativo é mais forte do que o Executivo. Ao contrário, são regimes em que a agenda do Executivo encontra com mais facilidade respaldo e apoio no Legislativo, gerando governabilidade e coerência da agenda de políticas públicas.
Analisando o momento da política brasileira e, principalmente, a esquizofrenia da agenda política que aponta para direções muito diversas e antagônicas, a literatura parece ter razão quando diz que, sob certas condições, o presidencialismo de coalizão pode alcançar o mesmo bom desempenho de sistemas parlamentaristas.
Mas, talvez, seja o caso de incorporarmos o fato de que, sob outras condições, também somos impactados por seus defeitos. Por fim, parece mesmo que temos um presidencialismo com cara de parlamentarismo, mesmo que seja na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza.