Robson Rodovalho
Sobre drogas e masmorras
É no calor da superlotação dos presídios que se debate a descriminalização das drogas no Brasil, como se isso fosse a solução para o problema
O debate sobre a descriminalização do consumo de drogas é mundial, e chegou a vez de o Brasil protagonizar essa discussão. O STF (Supremo Tribunal Federal) vai decidir em breve se é ou não crime portar drogas para uso próprio. Hoje é crime, mas a pena para o infrator, em vez de prisão, é a aplicação de medidas socioeducativas, como prestação de serviços à comunidade.
A decisão do colegiado de ministros vai pacificar o entendimento do Judiciário sobre o assunto e produzirá efeitos automáticos sobre milhares de ações que tramitam na Justiça em todo o país. Eu sou contra. O segmento evangélico é contra. As lideranças dos cristãos católicos têm o mesmo entendimento. Marchamos juntos nessa batalha.
Somos contra a descriminalização não porque queremos que o dependente seja castigado, encarcerado. O viciado precisa ser tratado como paciente, receber acolhimento que lhe dê suporte, buscar a reabilitação e, então, se preparar para voltar ao convívio em sociedade, novamente senhor de sua consciência, responsável por suas atitudes, com direitos e deveres de cidadão.
Cabe às famílias e ao Estado prover esse amparo, mas, por vários motivos, a ação dessas instituições se mostra insuficiente e/ou ineficaz.
As políticas públicas priorizam o combate às consequências do tráfico, que alimenta os índices de violência no país inteiro. Até por falta de meios, recursos humanos e materiais, o Estado se volta para a repressão, mas o problema persiste e aumenta na origem, ou seja, na desigualdade social, no sistema de saúde e ensino minguados.
É no vácuo deixado pelas instituições que o consumo de drogas se espalha, contamina a sociedade e alimenta o tráfico. Jovens vivem sob o chamado "gatilho": quando se sentem deprimidos ou decepcionados com algo, buscam abrigo nas drogas. É fato que a legislação em vigor não define de forma clara, com critérios técnicos, exatamente a fronteira entre usuário e traficante.
Também é fato que esse defeito da lei fez disparar o número de condenados pelo crime de tráfico, o que certamente contribuiu para a superlotação das cadeias. Além da pena, o infrator recolhido ao sistema penitenciário paga pelo crime com a própria dignidade, destruída pela vida nas masmorras em que se transformaram as prisões no Brasil.
É no calor da superlotação do sistema prisional que se debate a descriminalização das drogas no Brasil, como se isso fosse a solução para o problema. Se hoje a lei considera o porte de drogas crime, o Estado vem perdendo a guerra contra a dependência e o tráfico, imaginem o que poderá ocorrer se não houver restrições a fumar maconha, cheirar cocaína ou fumar crack.
Vamos pensar que, por um azar do destino, um motorista de ônibus tenha ido trabalhar sob o efeito de maconha ou cocaína. Não seria exagero admitir que dezenas de vidas estariam sob risco durante o trajeto. E se isso ocorresse com um controlador de voo?
Seguir essa linha é apostar na solução de um problema criando outros, que têm potencial de dano à sociedade bem maior que as consequências do vício. Tenho fé e trabalharei até o último segundo possível para que os ministros do STF não banquem essa aposta.