José Afonso Da Silva
Renúncia e legitimidade
A crise econômica vai ser solucionada cedo ou tarde. Já a política vai permanecer porque a presidente perdeu a capacidade de governar
Houve quem estranhasse o fato de eu ter assinado o manifesto, encabeçado por Flávio Bierrenbach, pela renúncia da presidente Dilma. Aderi ao manifesto sob a ponderação de que a presidente não tem mais condições de governar o país.
Dilma apela para a legitimidade decorrente de sua eleição pelo voto popular. Pedir a renúncia de governante não ofende a legitimidade de sua investidura porque a renúncia, como ato de vontade, é constitucionalmente admitida. A legitimidade perquire dos fundamentos que justificam ou invalidam a existência do título e do exercício do poder, de onde se vê que a legitimidade tem dupla vertente, a da investidura no poder e a do exercício do poder.
A legitimidade de investidura fundamenta-se, de fato, na eleição, um concurso de vontades visando a operar a designação de um titular de mandato eletivo. Nas democracias de partidos e sufrágio universal, entretanto, a eleição ultrapassa essa mera função designatória para se converter num instrumento pelo qual o povo adere a uma política e a ela dá seu consentimento.
Deve-se lembrar, no entanto, que a legitimidade eleitoral da presidente foi bastante conspurcada pela forma mentirosa, desleal e até desonesta com que ela conduziu sua campanha eleitoral. Foi tolice querer anular o pleito, por isso, como é tolice pedir novas eleições agora.
Quando refletimos sobre as razões por que uns obedecem e outros mandam, estamos a indagar das condições do exercício legítimo do poder. A legitimidade de exercício requer que o governante legitimamente investido cumpra o seu mandato segundo os ditames da ordem jurídica e da ética.
Quando um governante deixa lavrar corrução sistêmica nos meandros do poder, por certo perde credibilidade e, com esta, os sentimentos e esperanças que o voto popular expressava, confluindo-se para a prática de crimes de responsabilidade e o impeachment que é também saída constitucional.
Minha análise é a de que a crise política precisa ter fim. Se não for pela renúncia, acabará sendo pelo impeachment sob a batuta de Eduardo Cunha. Terrível, assustador. Pior ainda: delineia-se forte inquietação do empresariado que não titubeará em aliar-se às forças mais reacionárias até à possibilidade de uma saída inconstitucional.
A crise econômica, grave, vai solucionar-se por meio de medidas contra o interesse do povo, como é da lógica do capitalismo. Mas a crise política vai permanecer porque a presidente Dilma perdeu a capacidade de governar.
A renúncia importará na ascensão do vice, Michel Temer, à Presidência, ruim, mas constitucional, e ele tem habilidade para recompor as forças políticas em torno de um governo –conservador certa e lastimavelmente– com apoio da oposição. Qual a consequência disso?
O PT vai para a oposição sob a liderança do ex-presidente Lula, que, com seu carisma, é capaz de virar a mesa com competente virulência. Dessa forma, a nova ordem governamental será responsabilizada por toda a desordem econômica e política que estamos vivendo, e o partido voltará nas eleições de 2018 pelos braços do povo.
Aderi ao manifesto pela renúncia da presidente, mas estou consciente dessas consequências, sobretudo porque a oposição, com PSDB à afrente, não tem um programa político para o Brasil capaz de resolver os problemas do povo, nem um líder capaz empolgá-lo contra o combalido PT liderado por Lula.