EDITORIAIS
Rede de ambiguidades
Chega a seu término, com êxito, o atribulado e longo processo de oficialização da Rede Sustentabilidade, nome adotado pela agremiação que, com bons motivos, identifica-se mais facilmente como o partido de Marina Silva.
Logo após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que lhe concedeu o registro negado em 2013, a Rede acolheu um grupo diminuto, mas qualificado, de parlamentares egressos de outros partidos.
São os casos de Alessandro Molon (RJ), que era vice-líder do PT na Câmara dos Deputados, Randolfe Rodrigues (AP), do PSOL, e Miro Teixeira (RJ), do Pros –além de Heloísa Helena, fundadora do PSOL.
Constitui certamente boa notícia a consolidação de um partido que se declara avesso às formas habituais de fazer política no Brasil, com orientações programáticas voltadas a superar as cisões hoje visíveis na opinião pública.
Reconheça-se, entretanto, que a demora em sua oficialização e a experiência das duas campanhas presidenciais de Marina terminaram em parte destituindo a Rede de seus poderes iniciais de sedução.
Transitando do PV para o PSB, enquanto seu próprio partido não se viabilizava, ela expôs-se, sem dúvida, a acusações de personalismo que combinavam mal com o caráter coletivo e descentralizado de sua organização.
Seria irrealista, por certo, desperdiçar o potencial de votos associado à sua personalidade. De todo modo, desde o final de sua campanha em 2014, e especialmente neste ano, Marina parece ter sucumbido a uma relativa obscuridade.
"Esse não é o momento de ficar gesticulando, tagarelando", declarou à Folha, em julho, quando manifestou reservas em relação ao impeachment. Com característico recurso à abstração verbal, aduziu: "é o momento do gesto".
Mas o que seria um gesto sem gesticulação? E seria "tagarelice" apresentar proposições próprias a respeito da crise econômica e da reforma institucional?
Sem ser de direita nem de esquerda, disse Marina em outro momento, a Rede será "sustentabilista progressista". A definição não é má, embora reveladora do público a que se dirige –a classe média universitária decepcionada com o PT e alheia à mensagem dos partidos minoritários de esquerda.
A "nova forma de fazer política" exige que, de algum modo, faça-se política –algo que o vezo de Marina pela fraseologia nebulosa, pela evasiva enunciada com aparente convicção, e sobretudo por uma espécie de messianismo sem Evangelho e de evangelismo sem compromisso, parece dificultar.