Para especialistas, distritão é um retrocesso
Em debate promovido pela Folha, cientistas políticos criticam modelo defendido pelo PMDB
Carro-chefe da reforma política proposta pelo PMDB, o chamado distritão foi criticado nesta quarta-feira (22) por cientistas políticos que participaram do primeiro debate da série Diálogos, promovida pela Folha e pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
A avaliação de Jairo Nicolau, do Departamento de Ciência Política da UFRJ, e de Fernando Limongi, do Departamento de Ciência Política da USP, é que o modelo defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), representaria um "retrocesso" em relação ao sistema de representação proporcional.
O distritão, que tem o apoio da maioria da Câmara Federal, acaba com as eleições proporcionais para deputado federal. Pela nova regra, seriam eleitos os candidatos mais votados em cada Estado, sem distribuição de vagas pelas votações das coligações ou dos partidos.
"A meu juízo, ele [distritão] é um enorme retrocesso nas eleições do sistema representativo brasileiro. Não resolve nenhum dos problemas que eventualmente temos", avaliou Nicolau.
Segundo ele, o modelo aprofunda o "hiperpersonalismo" --ou seja, o voto no candidato individualmente--, enfraquece as legendas, não garante o equilíbrio da representação territorial e não resolve o problema da fragmentação partidária.
"O distritão é conhecido por funcionar hoje no Afeganistão e na Jordânia. Não está em nenhuma democracia. Não é o favorito de especialistas, mas tem o perigo de ser aprovado na Câmara", alertou.
Na avaliação de Limongi, todos os problemas que são apontados sobre o atual sistema eleitoral só serão "exacerbados" pelo distritão.
Além de enfraquecer os partidos e fortalecer o personalismo, segundo ele, induz siglas a buscarem candidatos com perfis semelhantes aos de "puxadores de votos".
"[O distritão] é a base da destruição do partido", disse. "Na prática, um sistema como o do distritão colocará todo o poder nas mãos do presidente, porque não vão ter mais partidos na Câmara", acrescentou.
Limongi alertou para os riscos de serem aprovadas mudanças em momentos de crise política. Em busca de soluções para problemas do presente, pode-se "comprar gato por lebre".
Para Nicolau, apesar de os movimentos contrários ao governo federal terem defendido a reforma política, o modelo discutido na Câmara "nada tem a ver com as ruas".
"Se for aprovado o distritão, a população deve antes ser consultada", disse.
O debate promovido na capital paulista foi mediado pelo editor de "Opinião" da Folha, Uirá Machado.
O próximo evento da série Diálogos será em 13 de maio e discutirá a atual conjuntura econômica. Participarão Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e colunista da Folha, e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.