Ronaldo Lemos
Que importa a política externa?
Enquanto o Brasil relaxa no conforto geopolítico, grandes decisões do planeta são tomadas
Na semana passada aconteceu em Marrocos o seminário Atlantic Dialogues, que discute anualmente relações internacionais entre os países banhados pelo Atlântico.
Em uma roda de discussão, ouvi de um colega latino uma análise que me doeu os ouvidos, mas abriu os olhos: a sociedade brasileira não se interessa por política externa. A falta de interesse não é só do governo, mas está em toda parte.
Em outros países, politica externa é tema debatido nos cafés, nas ruas, nos jornais, na internet e na televisão. Artistas, intelectuais, acadêmicos, boêmios e hipsters em geral têm opiniões arraigadas sobre o tema, que faz parte do cotidiano. No Brasil, a elite brasileira --claro que com importantes exceções-- não dá picas sobre ele. Não é tema que desperta interesse ou paixões.
Uma das razões para isso é nossa situação de relativa paz geopolítica, que nos deixa mais confortáveis do que deveríamos. Mas a razão maior é mesmo o descaso.
Com a falta de interesse por parte da sociedade, o tema fica à deriva. É facilmente capturado por visões ideológicas, ou mesmo deixado de lado. Sabemos que nos últimos quatro anos a politica externa brasileira minguou e, se já éramos voltados para questões internas ou no máximo regionais, ficamos ainda mais ensimesmados como país.
Um bom exemplo é a reunião da União Internacional de Telecomunicações que acontece neste exato momento em Busan, na Coreia do Sul. O encontro (chamado de "plenipotenciário", ou "plenipot" para os íntimos) acontece a cada quatro anos e define o futuro das redes globais de telecomunicação, incluindo a infraestrutura usada para a internet. São temas cruciais para o desenvolvimento do país. Na pauta, questões como a privacidade no mundo pós-Snowden, ampliação do acesso à banda larga, redução dos custos de acesso (com boas propostas do Brasil para reduzir as "tarifas de interconexão"), cibercrimes e o papel da ONU sobre a internet.
O Brasil está lá com ampla delegação, apresentando diversas posições (muito boas) em nome da sociedade brasileira. Mas como são formuladas essas posições? Quem são seus interlocutores? E, afinal, quem as acompanha?
Por isso é louvável o esforço quase solitário da Conectas, ONG baseada em São Paulo, de insistir em uma maior participação da sociedade na política externa, especialmente em um mundo cada vez mais multipolar. A Conectas defende o mote "Política Externa é Política Pública". Lançou a campanha "Ministro, eu #QueroSaber", que mobilizou as mídias sociais para formular cerca de 30 perguntas sobre política externa, enviadas ao Senado às vésperas de uma sabatina com o então chanceler Antonio Patriota. Mas, de novo, quem se importa?
Enquanto o Brasil relaxa no sofá do conforto geopolítico, as grandes decisões do planeta vão sendo tomadas. Nos cafés, artistas, boêmios e políticos não perguntam sequer "o que eu tenho a ver com isso?".
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