"Sempre defendi as mulheres", diz Cherie, mulher de Tony Blair
Você precisa saber onde vai se quiser encontrar o escritório da Fundação Cherie Blair para Mulheres. Não há placa no saguão do edifício comercial grandioso no centro de Londres --apenas as iniciais discretas "CBO" quando você chega ao sétimo andar, com vista maravilhosa do Hyde Park.
O anonimato num cenário grandioso de alguma maneira é condizente com a carreira extraprofissional da mulher do ex-primeiro-ministro, que criou sua fundação de caridade quatro anos atrás. Embora seja vista com frequência em encontros de famosos e filantropos, desde que foi publicada sua autobiografia ela raramente concede entrevistas.
Kimihiro Hoshino/AFP |
Cherie, mulher do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair |
Mas sua fundação --que em seus três primeiros anos de atuação levantou 4 milhões de libras com empresas como a companhia de telefonia celular Vodafone, e também com o próprio casal Blair-- tem estado ocupada com projetos de mentoreamento e tecnologia para ajudar mulheres na África, Ásia e Oriente Médio.
Um dia depois de lançar um projeto de software na Índia, Cherie Blair deu uma entrevista de 20 minutos ao "Guardian" em seu escritório particular, para falar do trabalho da fundação. Os móveis elegantes de mogno (uma mesa de seu antigo escritório de advocacia, cadeiras do escritório de Tony) e as abundantes orquídeas brancas parecem fazer parte de um cenário retratado numa revista chique, mas, em outra sala no mesmo corredor, os 15 funcionários da entidade parecem contentar-se em dividir um conjunto de salinhas modestas.
O fato de Cherie ter decidido focar seus esforços beneficentes num trabalho para ajudar mulheres a ganharem independência econômica não surpreendeu muitos que a conheceram. "Eu sempre quis ajudar mulheres e meninas", ela me diz. "Você conhece minha história. Tive oportunidades que minha mãe e minha avó não tiveram. Fui beneficiária dos tempos."
Em sua autobiografia, "Speaking for Myself" (falando por mim mesma), ela escreve sobre sua mãe, que era atriz, abandonada por seu pai e forçada a trabalhar numa barraca de peixe e fritas no cais do porto de Liverpool para sustentar sua família e sua filha. Primeira pessoa de sua família a cursar faculdade, Cherie Blair se saiu muito bem, formando-se com láureas, para então superar a elite masculina rica, ficando em primeiro lugar nos exames de admissão à ordem dos advogados.
Mas, embora seja patrona de várias caridades britânicas --entre elas a Breast Cancer Care, que ajuda vítimas de câncer de mama, e a Refuge, para vítimas de violência doméstica--, o trabalho de sua fundação, assim como o de seu marido, é voltado a outros países. Por quê? "Aproveitei os esforços de muitas mulheres anteriores a mim em meu país... e há muitas mulheres nos mercados emergentes que estão na posição em que eu me encontrava nos anos 1970", ela explica.
Seu foco sobre países em desenvolvimento a leva a manter distância da imprensa, algo que é notado não apenas por jornalistas, mas também por alguns de seus maiores defensores. "Você pode criticá-la por isso?", questiona um deles. "Tudo o que ela faz é recebido com cinismo e ceticismo. A narrativa sobre Cherie Blair foi escrita pelo [tabloide] 'Daily Mail', cuja agenda foi adotada pela mídia como um todo."
Os erros cometidos por Cherie Blair foram fartamente documentados --entre eles, a compra de bens para seus filhos e o uso do eBay para desfazer-se de alguns presentes indesejados--, mas um olhar rápido para os recortes oferece algum fundamento aos argumentos dos teóricos da conspiração.
O tratamento dado a ela pela imprensa é uma das queixas de seu marido, é claro, que aproveitou o fato de comparecer diante do inquérito de Leveson para falar sobre a vendeta do "Daily Mail" contra sua mulher.
INTERPRETAÇÕES EQUIVOCADA
Cherie Blair, que em pessoa é uma mulher atraente, é fotografada mais comumente com um sorriso forçado. No "Daily Mail", em outubro deste ano, até mesmo o apoio que ela deu ao esforço olímpico britânico foi apresentado sob ótica negativa. Ao criticar o presidente francês por ter feito comentários negativos sobre a comida inglesa, lorde Coe descreveu Cherie Blair como tendo se comportado "como uma banshee" (um ser mitológico feminino que prevê a morte).
O livro de Coe na realidade elogia a intervenção de Blair para defender os interesses britânicos contra os franceses, mas a anedota de Coe acabou sendo reproduzida tanto pelo "Daily Mail" quanto pelo "Daily Telegraph". Mas é fácil entender como seu jeito franco e direto acaba lhe causando problemas. Tome-se o caso do desentendimento mais recente em torno de algo que, segundo relatos, teria sido "um ataque surpreendente às mães que não trabalham fora de casa".
O que Blair falou de fato, num evento glamouroso da revista "Fortune", foi que as mulheres deveriam ser economicamente independentes de seus maridos, já que existe a possibilidade de ser abandonadas ou ficar viúvas. "Toda mulher precisa ser autossuficiente, e desse modo você realmente não tem escolha --para sua própria satisfação. Ouvimos 'yummy mummies' (algo como mamães fofas) falando na importância de ser a melhor mãe possível e dizendo que investem todos seus esforços em seus filhos. Eu também quero ser a melhor mãe possível, mas sei que meu trabalho, como mãe, inclui criar meus filhos de tal modo que eles serão capazes de viver sem mim."
Pelo fato de ter usado um termo depreciativo para designar mulheres que dependem da renda de seus maridos enquanto elas cuidam dos filhos, perdeu-se o debate mais nuançado sobre o equilíbrio entre trabalho e vida, em que ela fez críticas também à sua própria performance. Blair descreve os artigos publicados depois no "Mail", no "Telegraph" e no "Guardian" como "interpretação completamente equivocada daquilo que eu disse".
Mas ela quase mergulha diretamente de volta na armadilha da "maternidade enquanto se trabalha fora" quando fala sobre sua posição de ter sido a primeira mulher de um primeiro-ministro em exercício que continuou a trabalhar: "Ainda sou basicamente a única, o que mostra que eu desanimei todo o mundo! E o que dizer de Samantha Cameron e seu cargo de consultora da Smythson, pergunto. Blair rapidamente desfaz qualquer impressão que possa ter sido deixada de que ela estaria criticando pessoas que trabalham em tempo parcial.
"Entendo perfeitamente por que mulheres podem optar por passar tempo cuidando de seus filhos --e, assim como qualquer outra mãe que trabalha, muitas vezes me pergunto se estou me desincumbindo bem de meus dois trabalhos--, mas acho errado que, depois de optarem por fazê-lo, elas nunca mais possam fazer outra coisa na vida."
A questão --uma defensora da independência das mulheres que se orgulha de sua carreira profissional, e com razão, não deve dar a impressão de criticar outras mulheres que optam por fazer diferente-- mostra como ela precisa agir com tato. "As mulheres tendem a ser pouco tolerantes quando julgam outras mulheres", é só o que ela dispõe a dizer.
"Deveríamos ser mais tolerantes umas com as outras, aceitar que somos todas diferentes e podemos fazer escolhas diferentes. E não aderir a alguma ideia estereotipada de que somos perfeitas. Francamente, eu não sou perfeita."
Sua crença na importância da independência financeira percorre seu trabalho, e ela atribui o fato à sua infância difícil e às injustiças que enfrentou no início de sua vida profissional como advogada. As mulheres tinham dificuldade em voltar ao trabalho, ela falou, depois de "terem passado 20 ou 30 anos cuidando dos filhos".
Esta independência destoa um pouco do nome da fundação beneficente --por que ela a chamou Fundação Cherie Blair quando continuou a usar seu nome de solteira, Cherie Booth, em sua vida profissional?
"NANO MBA"
Culpando assessores por tê-la levado a chamar a fundação de "Cherie qualquer coisa", ela diz que o importante foi elevar o perfil de uma causa em que ela acredita. "Já que estamos falando em trabalhar fora da Inglaterra, será que alguém no mundo lá fora sabe quem é Cherie Booth? Mas todo o mundo sabe quem é Tony Blair, e alguns podem saber quem é Cherie Blair. A questão é a seguinte: você se importa com a causa e quer chamar a atenção para ela? É isso o que interessa."
Mas já passamos tempo demais falando de questões domésticas, e Blair, cercada por quatro telefones celulares, quer falar de tecnologia. Além da aventura na Índia, sua equipe está trabalhando com mulheres na Indonésia, proporcionando o que ela descreve como um "nano MBA" a empreendedoras, oferecendo a elas dicas diárias sobre comércio e negócios.
Sua defesa da tecnologia é sincera --Blair liderou a adoção de novas tecnologias por seu escritório de advocacia no início dos anos 1990 e atribui à tecnologia o fato de ter podido continuar a trabalhar em Downing Street. Ela é capaz de citar estatísticas de pesquisas encomendadas pela fundação, que confirmam o valor de sua causa. Por exemplo, uma mulher na África tem 23% menos chances de possuir um telefone que um homem; no sul da Ásia, 37% menos. No início deste mês a fundação lançou um projeto novo que visa fornecer software a 2.000 agentes varejistas na zona rural da Índia.
Este software para as chamadas Rudibens, mulheres que encomendam produtos de uma empresa grande para vendê-los em seus povoados, vem transformando vidas.
Existem poucos exemplos a serem seguidos por ex-primeiras-damas no Reino Unido, diferentemente dos Estados Unidos, com Hillary Clinton como secretária de Estado. Depois de dez anos como mulher do premiê, Cherie Blair diz que queria somar seu tino de advogada com sua paixão de ativista. Assim nasceu sua fundação.
Em março ela deve viajar à Índia para visitar as Rudibens e receber os resultados de uma avaliação independente do projeto. "Queremos saber se ele mudou as vidas das mulheres. Se não, faremos outra coisa."
Há muitas outras perguntas, mas nosso tempo acabou. Funcionárias de Blair me conduzem para fora. Um "ministro do Exterior de um país africano" aguarda para falar com Cherie Blair.
Tradução de CLARA ALLAIN.
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