Sheryl Sandberg, do Facebook, quer salários maiores para as mulheres
Sheryl Sandberg demorou um bom tempo --"tempo demais"-- para perceber que era feminista, e ainda mais para ser declarar abertamente. Como vice-presidente de operações do Facebook, ela está entre os excetivos mais conhecidos do mundo, e seu destaque é ainda maior por ser mulher.
As mulheres que ocupam posições semelhantes em geral mal admitem que são mulheres, quanto menos feministas, e por isso sua decisão de publicar "Faça Acontecer", um livro de conselhos feministas para as mulheres no trabalho, constitui uma inovação radical. "Eu gostaria de ter feito mais, de ter começado mais cedo", ela diz. "Mas não era corajosa o suficiente".
Estamos em uma sala sem janelas na sede do Facebook em Palo Alto, e Sandberg tem nas mãos um copo grande de café Starbucks (empresa de cujo conselho ela participou), e exibe aquele olhar de animação que é comum encontrar em pessoas que galgaram até o topo as hierarquias empresariais. Os confrontos relativos a "Faça Acontecer" foram ferozes, e boa parte deles não se relacionavam ao conteúdo do livro. Sandberg, cujo patrimônio reportado é da ordem dos US$ 400 milhões (R$ 800 milhões), incomoda muita gente.
Adrees Latif/Reuters | ||
Sheryl Sandberg, diretora do Facebook, durante entrevista em Nova York |
Além do dinheiro, ela trabalha para uma empresa que adora se imaginar "transgressora", uma autoimagem que combina pouco com a riqueza de seus fundadores e a devoção muitas vezes irrefletida de seus entusiásticos funcionários. Ela fala naquele tom inspirador que o mundo dos negócios adora adotar, e que costuma causar grunhidos de raiva aos ativistas. E a sensação que se tem ao conversar com Sandberg é que ela mergulhou em um debate que ferve há décadas com uma inocência bem próxima à ingenuidade, com relação às divisões que ele envolve e à influência que outras suposições políticas exercem sobre a discussão.
No entanto, errada ela não está. A principal crítica a "Faça Acontecer" é a de que Sandberg "culpa" as mulheres por não avançarem, e isso não é algo que ela faça no livro. Na realidade, ela identifica comportamentos exibidos pelas mulheres no trabalho --a hesitação em pedir um salário maior; a tendência de manter o silêncio em reuniões; uma estimativa conservadora quanto ao próprio valor-- que tem por origem distorções de tratamento sexual de origem histórica e perpetuadas até hoje.
Nos lugares em que trabalhou, afirma Sandberg, os homens procuram promoções mesmo que lhes falte boa parte da capacitação necessária para um posto, e as mulheres em geral esperam até que tenham 100% da competência necessária antes de pedir um novo posto. E também esperam que sejam convidadas, ou mesmo forçadas, a se candidatar.
"Eu costumo dar muitos conselhos de negociação, e a propriedade principal deles é que é necessário compreender as distorções desfavoráveis às mulheres e usá-las em seu favor na negociação. Não adianta negociar exatamente como um homem, porque isso não funciona. Use as coisas que você sabe", diz.
"Existe uma contradição inerente em escrever um livro cujo objetivo é pôr fim aos estereótipos sexuais e ao mesmo tempo aconselhar às pessoas que reconheçam e usem em seu benefício os estereótipos sexuais. Eu tento reconhecer esse problema no livro. Sou pragmática. Quero que as coisas melhorem. Quero que os salários das mulheres subam. Quero ensiná-las a negociar para que obtenham melhores salários."
É estranho que uma pessoa tão determinada a evitar controvérsias quanto Sandberg tenha escrito um livro desse tipo, o que também serve para explicar a importância de "Faça Acontecer". O que Sandberg tem a dizer é valioso exatamente porque é ela que o diz --e usando a linguagem do conservadorismo empresarial; se a jornalista Barbara Ehrenreich dissesse a mesma coisa, seria menos relevante.
O livro nasceu de uma palestra sobre as mulheres no mundo dos negócios que Sandberg, 43, fez na conferência TED, em 2010. Sua palestra provocou uma resposta forte, tanto positiva quanto negativa, embora a visão negativa tenha vindo, naquele momento, principalmente de executivos homens que a avisaram que transformar o sexo em questão profissional era um erro, e não de outras feministas que questionam suas credenciais, como veio a ser o caso mais tarde.
Entre as mais ferozes das resenhas recentes, Allison Pearson, no jornal britânico "Daily Telegraph", aponta para o fato de que Sandberg não fala sobre a "tendência mais forte entre as mulheres em carreiras executivas --a de não terem filhos mesmo que isso não seja o que desejam". No "Guardian", Zoe Williams definiu o livro como "frouxo" e o acusou de "infantilização". No "New York Times", Maureen Dowd escreveu que Sandberg "não compreende a diferença entre um movimento social e uma campanha de marketing em uma rede social". Um resumo razoável da reação parece ser que o livro é bem-intencionado, mas na realidade se trata apenas de marketing vazio.
Todas as críticas subestimam o conservadorismo dos públicos aos quais o livro se dirige. Não se trata de um trabalho dirigido a um público familiarizado com as polêmicas do feminismo. Dirige-se a leitores que operam em um reino comercial tão pouco evoluído que o texto, longe de ser meigo e evidente, chega a ser histérico, tamanha sua estridência.
Antes de sua palestra na TED, a mensagem que Sandberg recebeu dos colegas homens foi clara: "Aquilo marcaria oficialmente o fim de minha carreira. Assim que eu fizesse uma palestra sobre mulheres, me transformaria em 'executiva mulher'. Não há como se preocupar com questões femininas e ser uma pessoa séria no mundo dos negócios".
Sandberg refletiu com cuidado e chegou à conclusão de que, na realidade, a única forma de tratar a questão era como questão de negócios: as empresas estavam perdendo talentos valiosos devido aos seus problemas com as mulheres, e especialmente com as mães. "Para mim, o argumento que mudou a questão foi observar o comportamento dos homens e mulheres a quem comandei nos últimos 15 anos", diz.
"Não importa o que eu fizesse, os homens começavam a se sair melhor que as mulheres. Em cada estágio, eles estavam sempre pisando fundo no acelerador, tentando avançar, e as mulheres estavam sempre com o pé no freio". Entre os graduados da Universidade Yale que chegaram aos 40 anos em 2000, ela diz, apenas 56% das mulheres continuavam na força de trabalho, ante 90% dos homens.
Sandberg mesma teve momentos de hesitação profissional, e admite ter tomado uma má decisão sobre sua carreira quando tinha 20 e poucos anos. Depois de se formar na Universidade Harvard --sua tese de graduação tratava do impacto econômico da violência doméstica -, seu orientador, Larry Summers, a encorajou a buscar bolsas internacionais de pesquisa. Mas embora ela estivesse muito interessada em conhecer a Europa, conta, rejeitou a ideia porque "um país estrangeiro não é o lugar ideal para transformar um namoro em casamento. Em lugar disso, decidi me mudar para Washington, onde havia grande número de solteiros interessantes".
Uau. "É, eu sei. Muito chocante. E preciso acrescentar", diz Sandberg com um sorriso, "que a ideia não foi assim tão boa". (Ela se casou aos 24 anos e se divorciou um ano mais tarde. Agora, está casada com David Goldberg, com quem tem dois filhos.)
Sandberg trabalhou para Summers como sua chefe de gabinete quando ele foi secretário do Tesouro norte-americano, por cinco anos, e depois que Bush foi eleito e toda a equipe perdeu o emprego ela se mudou para o Vale do Silício. Não era o momento ideal para embarcar naquele trem. "As pessoas achavam que eu tinha perdido o juízo. Era 2001, a bolha tinha estourado e ninguém estava contratando".
Ela levou um ano para encontrar o emprego certo --"sim, isso me causou nervosismo". As coisas começaram a melhorar quando Eric Schmidt a contratou para o Google. Ele a convenceu a aceitar a proposta pedindo que ela considerasse que companhia tinha as melhores chances de crescimento, entre aquelas que estavam interessadas em contratá-la. Ela encarou o risco e foi trabalhar para o Google.
Foi durante suas negociações com o Facebook que Sandberg sofreu um acesso de timidez; relutava em pedir uma remuneração maior, e por bom motivo --o pacote de remuneração lhe parecia justo, diz. Mais que justo: "Para mim, a oferta parecia excelente. Ótima". (Só podemos imaginar qual tenha sido.) E ela queria o cargo. Mas então seu cunhado e marido a lembraram de que nenhum homem na mesma posição aceitaria a primeira oferta apresentada.
Ela voltou à mesa de negociação e disse a Mark Zuckerberg que, já que ele a estava contratando em parte por sua capacidade de negociação, seria uma má demonstração de seu talento se ela não utilizasse esse recurso nas negociações com a empresa. Ela saiu da conversa com uma oferta de ações na companhia.
Assim, se ela não tivesse negociado, ela teria patrimônio muito menor do que tem hoje? "Não me lembro exatamente dos detalhes da negociação, mas, sim, eu estaria em situação diferente. Eu continuaria a estar muito bem de vida, claro, ninguém teria motivo para ter pena de mim". Garanto a ela que ninguém tem.
"Mas o que é interessante", diz ela, "foi que enquanto meu cunhado e meu marido insistiam em que eu negociasse, negociasse, negociasse, e eu enfim concordei em fazê-lo porque concordei que homem algum aceitaria a primeira oferta, comecei a pensar com meus botões que a sensação era a de que eu precisei de uma justificativa para agir assim. E os dados confirmam: os homens negociam sem se desculpar e sem precisar de explicação. É o que se espera deles. Já as mulheres, caso negociem, precisam justificar o fato. Não pode ser porque você simplesmente quer mais para você. Porque isso é algo que cabe aos homens". Como ela afirma no livro, "no caso dos homens, quanto mais sucesso, mais as pessoas gostam deles; no das mulheres, a correlação é a oposta".
Isso nos conduz ao conselho do Facebook, que até que Sandberg passasse a integrá-lo, depois de quatro anos na empresa, não tinha mulheres entre seus membros. O Facebook é uma empresa progressista, ao estilo usual da tecnologia: os funcionários podem usar as bicicletas que a empresa fornece e deixá-las em qualquer ponto da sede; toda a comida --um bar que serve burritos, uma barraquinha que prepara vitaminas-- é gratuita, exceto o restaurante de sushi.
PICHAÇÃO
No saguão principal existe um "muro da pichação" no qual os funcionários podem expressar sua devoção à companhia. No pátio, há "áreas para fogueiras" em torno das quais podem ser realizadas reuniões, uma ideia que poderia ter surgido da cabeça do comediante Armando Iannucci. Mesmo as portas são temáticas, e simulam portas de garagem, um tributo às origens da companhia.
Acima de tudo, ninguém tem escritório isolado, nem mesmo Sandberg ou Zuckerberg, para que, nas palavras dela, as estruturas tradicionais de poder sejam solapadas. E até recentemente, Zuckerberg defendia que o fato de o conselho ser formado apenas por homens era uma expressão do regime meritocrático da empresa. "Nosso conselho é bem pequeno", ele disse à revista "New Yorker". "Escolho pessoas que possam ajudar, e não importa seu sexo ou para que empresa trabalhem. Não vou formar um conselho que só diga sim ao que quero".
De acordo com o raciocínio de Sandberg --o de que o sistema informal de orientação por mentores adotado nas empresas norte-americanas promove homens de preferência a mulheres, para que eles estejam encaminhados aos postos de comando-- a resposta de Zuckerberg não pode ser considerada adequada, pode?
"Bem, eu, eu, eu não sei exatamente como responder a isso. Não acho que ele tenha imaginado que a resposta seria interpretada da maneira que você fez agora". Mas a posição dele mudou? Será que Zuckerberg (para usar o tipo de linguagem que costuma ser usada por aqui) embarcou na jornada de Sandberg?
"Veja, acho que estou crescendo e aprendendo. Hoje, minha posição quanto a essas coisas é diferente do que a que eu tinha cinco anos atrás. Quando entrei para a companhia, nunca tinha feito uma palestra sobre questões referentes à mulher. Mas seria um erro imaginar que eu o estou pressionando ou forçando a me acompanhar. Acho que na realidade o contrário parece ser mais verdadeiro. Ele é que lidera. Mark é destemido. Ele tem uma grande visão sobre como o mundo pode mudar, e ele se coloca à frente do processo de mudá-lo, e me encorajou a cada passo do caminho. Mark leu o livro e disse que queria conversar sobre meus planos para o livro, porque não os considerava ambiciosos o bastante. Disse que era um assunto importante e que eu deveria fazer mais. Ou seja, eu não estou conduzindo Mark. Na verdade Mark é que pressiona todos os que o cercam, o que me inclui, a agirem com audácia. E eu agradeço por isso".
É verdade que o Facebook sempre ofereceu benefícios de maternidade e paternidade generosos ao seu pessoal. Sandberg causou controvérsia ao admitir que saía do escritório às 17h30, para que pudesse jantar com os filhos. (Mas ela volta a trabalhar depois que os coloca para dormir.) Uma semana depois de minha conversa com Sandberg, Marissa Mayer, a presidente-executiva do Yahoo, famosa por voltar ao trabalho duas semanas depois do parto e que parece espumar sempre que ouve a palavra "feminista", proibiu o pessoal do Yahoo de trabalhar em casa para a empresa.
A decisão foi vista como regressiva, mas Sandberg se limita a comentar que "deixo claro no livro que nem todos os conselhos se aplicam a toda situação". (No começo de sua passagem pelo Facebook, quando Sandberg perguntou como ela estava se saindo, ele respondeu que "meu desejo de que todo mundo goste de mim poderia me prejudicar".)
Quando o assunto não envolve críticas a terceiros, ela pode ser expansiva quanto ao tema da mistura entre trabalho e vida, o mais recente jargão para o assunto. "As pessoas me perguntam se o Facebook oferece horário de trabalho flexível, e eu respondo que, se o fizéssemos, todo mundo ficaria acorrentado à mesa. Não temos horário. Há pessoas que trabalham aqui e passo anos sem ver, porque elas não vêm ao escritório. Ninguém as vê em pessoa. Mas trabalham para nós, são ótimas, criam grandes produtos. Oferecemos imensa flexibilidade, mas isso é porque não temos uma estrutura tradicional de poder".
O Facebook oferece uma creche? "Não podemos por conta do zoneamento". (E é fácil esquecer que creches não importam muito para pessoas que têm dinheiro para pagar babás. "E as pessoas aqui vêm se saindo bem, e por isso podem contratar os empregados de que precisarem".)
Haverá quem considere essa resposta insuportavelmente irritante; gente riquíssima dizendo aos demais de nós o que devemos fazer para viver melhor. Mas dada a escassez de mulheres nos quadros dos presidentes-executivos de companhias norte-americanas parece absurdo criticar Sandberg por seus conselhos não serem muito úteis para as pessoas no degrau inferior da escala. Ela oferece conselhos para as mulheres que desejem ascender aos conselhos de suas empresas. Mas indago se o livro não surgiu em parte como resposta à sua culpa por ter ganhado tanto dinheiro --a necessidade de fazer alguma coisa para defender o interesse público.
"Oh, com certeza. Estou financiando a leanin.org com o meu dinheiro pessoal. Por enquanto. Se a organização conquistar muito sucesso não é algo que poderei fazer sozinha, e seria ótimo se isso acontecesse! Porque quero usar alguns dos recursos de que disponho para ajudar outras mulheres", ela diz.
A líder feminista Gloria Steinem se tornou sua mentora. Steinem leu o livro e ofereceu sugestões; Sandberg deve ter se surpreendido por a aprovação dela não ter se tornado um passaporte para a aceitação da parte das demais feministas. "Sinto-me bem próxima a ela, e muito afortunada. Ela mudou minha vida. Leu o livro inteiro; ligou para comentar, editou partes do texto. Guardei tudo que ela disse. E acho que ela pensa nas coisas que estou fazendo, que todos estão fazendo, e deseja ver ação, e pessoas que levem essa questão a sério, e que cada indivíduo seja tratado como merece".
Para acompanhar o livro, ela está convidando mulheres a participar de "círculos Faça Acontecer", grupos de motivação cujo trabalho é orientado por planilhas. Na casa de Sandberg, seu filho está proibido de definir a irmã como "mandona" ao descrever sua capacidade de gestão prematura.
No escritório, ela encoraja os executivos homens a orientarem subordinadas e a compreender o que acontece quando as redes informais de influência se dividem em linhas sexuais. Ela inspirou até a mãe. "Ela vai fazer 70 anos daqui a 18 meses e vai ter um bat mitzvah, porque quando era menina seus irmãos fizeram bar mitzvah e ela não". Há usos piores para a competência de vendas que ela demonstra, eu comento. Sandberg sorri: "Acho que você entendeu o que quero dizer".
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
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