Arquivo Aberto - Muito além de um bar
São Paulo, 1960
Eu, carioquinha da gema, morar em São Paulo? Na primeira vez que Ronaldo Bôscoli sugeriu que seria uma boa ideia mudar-me do Rio para a Terra da Garoa, não dei muita bola. Mas não demorou para que lhe desse razão. No início dos anos 1960, a bossa nova já tinha se tornado uma febre no Rio, e ele dizia que eu poderia me tornar "só mais uma cantora de bossa nova", entre dezenas de outras. Em São Paulo, a história era outra.
Acabei aceitando o convite do jornalista Paulo Cotrim para inaugurar o João Sebastião Bar, acompanhada pelo pianista Pedrinho Mattar. Era um bar curioso, na rua Major Sertório, bem no centro da capital paulista. Parecia o castelo do Drácula, com velas e candelabros. A estreia foi um sucesso. Vinicius foi ver e me ofereceu a canção "Primavera", muito bem recebida no espetáculo "Pobre Menina Rica", então em cartaz no Rio.
Bosco/Acervo UH/Folhapress | ||
Claudette Soares posa para foto no João Sebastião Bar, na capital paulista, em fevereiro de 1964 |
Eu fazia o principal show da noite, de quarta a domingo. Em pouco tempo, o João Sebastião Bar tornou-se o templo da bossa nova em São Paulo, com a mesma força que teve o Beco das Garrafas no Rio.
Não era para menos: na quarta eu convidava jovens talentos, como Toquinho, Chico Buarque e Taiguara. Nas outras noites, artistas como Johnny Alf, Geraldo Vandré e Alaíde Costa dividiam o palco comigo. Carlos Lyra, João Gilberto, todo mundo passava por lá. Sem falar de instrumentistas geniais, como Hermeto Pascoal, Arthur Moreira Lima e Cesar Camargo Mariano, que marcavam presença constante.
Foi lá, portanto, que eu conheci o Cesar, ainda novinho, e convidei-o para gravar "Claudette é Dona da Bossa" (1964), seu primeiro trabalho em disco, como pianista e arranjador. Tenho muito orgulho de tê-lo lançado, e nossa parceria rendeu dez discos.
Ali era um ponto de encontro fabuloso, onde nasceram outras parcerias. Ao lado de Taiguara e do Jongo Trio, atrações do João Sebastião Bar, apresentei-me no Rui Bar Bossa -mais um fruto da criatividade boêmia- e no teatro Princesa Isabel, ambos no Rio, com o show "Primeiro Tempo 5 x 0", sob a direção de Luiz Carlos Miele e Bôscoli, em 1966.
Esse show rendeu LP homônimo no mesmo ano. Era a bossa fazendo o caminho inverso, um intercâmbio entre São Paulo e Rio no qual assumi o meu papel.
Muita gente vinha a São Paulo só para conhecer o tal do João Sebastião Bar. Lembro-me de cantar sentada no piano de cauda, para que, com a casa cheia, todo o público pudesse me ver. Era um charme: de minissaia, sobre a tampa do piano, iluminada por um candelabro. Lá eu me deparei com atores de Hollywood -Kirk Douglas foi um deles-, grandes figuras da época e jovens que posteriormente ganharam notoriedade. Os jornais espalhavam a novidade, as noites eram um estouro, as mesas eram disputadíssimas. Não era só um bar, era o reduto paulistano da bossa nova, onde cantei desde a inauguração até o fechamento, em 1967. Depois de anos, até experimentei voltar a morar no Rio, mas não resisti, não tem jeito: assim como a bossa nova, vim, vivi uma linda história e aqui criei raízes.
CLAUDETTE SOARES, 77, cantora carioca, lança neste semestre o álbum "Caymmi por Claudette Soares", com arranjos de Giba Estebez e produção musical de Nana Caymmi.
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