Cartas de Lucian Freud na adolescência revelam sua sexualidade complexa
Lucian Freud teve um relacionamento gay com o poeta Stephen Spender, ao que parece, com base em suas cartas de amor de juventude que serão leiloadas pela Sotheby's.
Se você baseia suas opiniões sobre artistas em fofocas e notícias sensacionalistas, isso pode causar surpresa. Desde a morte de Freud, em 2011, mais e mais detalhes sobre suas atividades heterossexuais se tornaram conhecidos. Ele teve "pelo menos" 14 filhos, com diferentes mães, e aparentemente bateu por larga margem o recorde de Picasso em termos de dormir com suas modelos.
Já com mais de 80 anos, Freud ainda tinha energia suficiente para pintar Kate Moss nua. Também fez uma tatuagem no traseiro da modelo. Em um momento ligeiramente mais acadêmico, ele batalhou por manter "Diana e Actaeon", de Ticiano, no Reino Unido –o quadro do mais extravagantemente heterossexual dos artistas do Renascimento mostra um grupo de mulheres nuas.
Courtesy Lucian Freud Archive | ||
O quadro "Benefits Supervisor Sleeping", de 1995 |
Dizia-se de Ticiano, em sua época, que ele costumava se cansar porque ia para a cama com todas as suas modelos. Os rumores sobre as constantes cantadas e oportunismo de Freud em breve aparecerão em biografias e reforçarão sua reputação como o que no passado as pessoas costumavam chamar de "conquistador".
Mas seus quadros revelam outra história. Sigmund Freud, o avô do pintor, contemplando sua arte, certamente teria visto algo de mais complexo do que a concupiscência do macho por damas suculentas. Para começar, Freud pouco faz para tornar mais belas as suas modelos. Suas representações do corpo humano, duras e pontuadas por tons de azul e cinza, dificilmente poderiam ser consideradas sensuais da maneira que Ticiano é visto como sensual. Em lugar de buscar incansavelmente a beleza estereotipada (seu retrato de Kate Moss é uma exceção, e uma obra fraca), ele se deixava atrair pela variedade e pela diferença, como no famoso nu "Benefits Supervisor Sleeping".
Há outra maneira de ver Freud: como artista que celebra a ambiguidade do desejo e da identidade sexual. Longe de estar sempre à caça de mulheres, como Ticiano ou Picasso, ele também sentia fascínio por homens. Além disso, se deixava atrair por pessoas cuja identidade não estão claramente definida.
Os quadros mais grandiosos de Freud são os retratos nus do artista performático Leigh Bowery. São monumentos a uma personalidade colossal e lamentos por uma era de crise na comunidade gay: Bowery morreu de Aids em 1994. A paixão de Freud pelo corpo de Bowery é tão copiosa quanto seu entusiasmo pela carne de Sue Tilley. Esses grandes modelos inspiravam alguma forma de fascinação que não era nem gay e nem heterossexual, mas sim... uma fascinação de pintor. E na liberdade de seu estúdio, Freud via as pessoas livres de personas sexuais fixas –reduzidas à carne e ainda assim liberadas nela.
Reprodução | ||
"Naked Man, Back View", obra de Lucian Freud que tinha o artista performático Leigh Bowery como modelo |
Ele não é um artista gay e nem um artista heterossexual. Bowery era declaradamente gay mas se casou com Nicola Bateman, no ano em que morreu. Freud os pintou juntos na cama, pessoas nuas e apaixonadas se agarrando –seres humanos encontrando conforto um no outro.
As cartas trocadas por Freud e Spender não são só mais uma fofoca. Representam uma nota cautelar de que não devemos interpretar a arte com base em suposições biográficas. Freud claramente gostava de sexo, disso podemos ter certeza. Mas, como pintor, ele realizou algo de mais estranho e mais universal que a luxúria. Via as pessoas libertas das restrições não só de suas roupas mas de seus sexos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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