Poemas inéditos homenageiam Machado, Drummond e Candido
William Mur | ||
SOBRE O TEXTO Os poemas abaixo devem integrar a antologia que o escritor carioca prepara para 2020, quando completará 80 anos. A obra está em gestação desde 2003.
DUO/Carlos Drummond de Andrade e Antonio Candido
CDA veio antes de AC.
Depois não veio ninguém
de quilate igual por mais
força que se fizesse.
Mas eles nos deram
sempre a mão de letra
parecida, e seguravam
a todos, e nos erguiam
à altura onde estavam
e nós víamos a maravilha
que deixaram escrita
no peitoril da paisagem
altíssima, e nos amparavam
juntos, conjugados: ACDA
e num anagrama perfeito
CADA um nos salvava.
*
TRIO
O gume de Machado
é fino, custa mais a doer.
O corte de Drummond
tem dor imediata.
A flor do primeiro
é furta-cor, a do segundo
não tem colorido.
Antonio Candido, preciso
esmiúça os dois com o lápis
bem apontado, e monta
um esquema para um
e as linhas para
as inquietudes do outro.
*
LEITURA
Sempre se lê um autor
por cima do ombro dele.
Mas quando se trata de Machado
parece que ele virou a cabeça
e nos encara para explicar
ou hipnotizar melhor.
Fica tão perto que podemos
sentir seu hálito amargo
o cheiro de lã e goma
que o compõem a qualquer hora.
Carlos Drummond, por exemplo
ao lê-lo, em papel bíblia
usava o seguinte recurso
sutil, leve e íntimo
possível porque próximo:
marcava à unha a passagem
que o interessava para não ferir
com lápis ou pena, a folha
tão fina quanto o que foi
sendo escrito, e que às vezes feria.
ARMANDO FREITAS FILHO, 77, poeta, é autor de "Dever" (Companhia das Letras).
WILLIAM MUR, 32, é infografista da Folha e escreve e dirige filmes de ficção científica, como "Bong" (2015).
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