Aos 8 anos, atriz Maria Ribeiro recebeu autógrafo do 'quase amigo' Tom Jobim

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Crédito: Arquivo pessoal
Autógrafo que Tom Jobim deu a Maria Ribeiro quando a atriz tinha oito anos de idade

MARIA RIBEIRO

Eu tinha oito anos. Estávamos, meu pai e eu, almoçando na Plataforma, churrascaria clássica do Rio de Janeiro dos anos 80, onde eu sempre via algum ator de televisão traçando uma picanha ou uma farofa batizada com seu nome.

Naquela época —pré-Cartoon Network e Discovery Kids—, as crianças de classe média acompanhavam a programação televisiva das casas, independentemente da classificação indicativa. Não havia todo esse cuidado com conteúdos impróprios: eu via tanto Balão Mágico quanto "O Tempo e o Vento" e ficava impressionadíssima de esbarrar com o capitão Rodrigo —Tarcísio Meira— na padaria da rua de baixo.

Morávamos no Jardim Botânico, vizinhos dos estúdios da TV Globo. Dia sim, dia não, havia gravação na praça perto de casa, e não duvido que tenha me tornado atriz por essa proximidade. Minha babá Joana colecionava revistas do Fábio Jr., e pedir autógrafo era nosso esporte favorito.

Naquele dia na Plataforma não foi diferente, embora o personagem não beijasse a mocinha no final nem tivesse um nome fantasia na historinha. Antônio Carlos Jobim entrou na churrascaria acompanhado de uma mulher que, no caminho para a mesa, acenou levemente em nossa direção.

"Pai, você conhece o Tom Jobim?" Não, ele não conhecia o maestro, mas a moça era mãe de um amigo dos meus irmãos. Foi o suficiente para eu ir sozinha até eles. Chegando à mesa, cumprimentei a tal Cristina com uma intimidade que não tinha e pedi para Tom que por favor assinasse seu nome na minha agenda do Garfield.

Ele ficou espantado. "Quantos anos você tem, menina?" Fiquei ofendidíssima. "Oito, por quê?" "E você por acaso conhece alguma música minha?", ele rebateu, divertido. Cantei "Luiza", que conhecia justamente por ter sido tema de abertura de uma novela com a Vera Fischer.

Quando terminei, abri a página onde queria que ele assinasse e estendi, orgulhosa e confiante, minha coleção de rabiscos, fruto de um ano inteiro de encontros daquele tipo. "Vamos fazer diferente", ele disse. Perguntou meu nome e pediu: "Volta daqui a uma meia hora?"

Voltei. Num pedaço de papel, com o logo da churrascaria em azul no verso, ele havia escrito: "Maria, acorda que é dia / Beijo do Tio Tom / Para a menina Maria (Quase moça!)".

Voltei para casa em silêncio, com uma felicidade grave, daquelas difíceis de dividir. Eu não era "quase moça", mas passei a ser depois daquele dia. Tom Jobim tinha olhado para a minha meninice e me dado autorização para ser alguém a quem se dá um autógrafo mais atencioso.

Aquele encontro marcou minha infância e se estendeu por toda a juventude. Fui a todos os seus shows a que tive chance de ir. Aprendi a gostar de Villa-Lobos e a entender de urubus à mata atlântica. Absorvi seu universo como se faz com a cultura de um país ou de um namorado novo.

Dez anos depois do nosso primeiro e único encontro, Tom foi-se embora. Seu corpo chegou de Nova York para ser velado no Jardim Botânico, e fui sozinha me despedir.

Lembro que eu estava em cartaz no teatro Tablado com uma peça infantil chamada "A Coruja Sofia", cuja trilha —uma obra-prima— era assinada por Paulinho Jobim, filho de Tom.

Eu me dei conta de que nunca mais o veria na Plataforma para dizer que sim, conhecia suas músicas. Eu tinha 19 anos recém-completados. "Quase moça", eu imaginava sua voz grave me dando coragem sempre que tinha medo de amadurecer —coisa que ainda faço aos 42. Não me lembro de ter chorado tanto a morte de alguém que não era próximo de fato.

Tom, meu amigo-ostentação, me fez companhia em momentos decisivos, como a separação dos meus pais, quando a trilha do meu quarto era o genial "Elis e Tom". Quando estava prestes a parir meu primeiro filho —"que seria ninado ao som de "Passarim"—, eu, com medo, repetia "Maria, acorda que é dia" trocando o "quase moça" por "quase mãe".

Hoje a Plataforma está fechada, e meu autógrafo, praticamente apagado. Mas, de vez em quando, ainda recorro àquele som específico e único de seu piano. Tom talvez tenha sido, mesmo que só para mim, um quase amigo. E, como diz Mallu Magalhães, quase já é muito bom.

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