PT virou unidade de política pacificadora, diz Pedro Arantes

Professor defende que esquerda se levante do conformismo e compreenda riscos do punitivismo de Moraes e STF

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Eduardo Sombini
Eduardo Sombini

Doutor em geografia pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima

A imagem de uma multidão rumando às sedes do poder para derrubar um regime político com as próprias mãos não era, até pouco tempo atrás, uma fantasia da direita.

Rebeliões desse tipo foram uma utopia da esquerda desde, pelo menos, a Revolução Russa. Em 1917, a tomada do Palácio de Inverno, na atual São Petersburgo, por uma massa inculta, que golpeia os móveis e as obras de arte da nobreza czarista, se tornou uma das representações por excelência do poder dos levantes populares.

A invasão do Capitólio por trumpistas e o 8 de Janeiro no Brasil escancaram, nesse sentido, uma grande transformação simbólica.

As sucessivas inversões entre direita e esquerda, ordem e desordem e pacificação e insurgência na história brasileira recente são o fio condutor de "8/1: a Rebelião dos Manés" (Hedra), livro recém-lançado de Pedro Arantes, Fernando Frias e Maria Luiza Meneses.

Homem branco com cabelo e barba escura usa camisa vermelha e está à frente de estante de livros
Retrato de Pedro Arantes, coautor de '8/1: a Rebelião dos Manés' - Acervo pessoal

Os autores interpretam o domingo de fúria dos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) em Brasília a partir da noção de jogo de espelhos, destacando o hackeamento, pela nova direita, do vocabulário e das táticas de mobilização política da esquerda.

Arantes, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e convidado deste episódio, defende que as forças progressistas devem levar a sério as propostas e as ações da extrema direita brasileira.

Para ele, o 8 de Janeiro é uma oportunidade para a esquerda refletir sobre seus rumos recentes —em uma conjuntura de perda de vitalidade e conformação em administrar uma ordem precária e desigual, sem um horizonte nítido de transformação social.

Essa esquerda institucionalizada, como aconteceu na Europa, é uma esquerda elitista, arrogante, de corredores de Brasília, que deixou de construir a luta social, a formação, a educação, a escuta nos lugares em que o povo está. Com quem estamos? Com quem falamos? Como falamos? Com quem ouvimos? Quem são nossos aliados? O que queremos? Qual é nosso programa mínimo? São as questões básicas que movimentariam uma capacidade de atuar na movimentação da história. A direita tem tudo isso. Eles sabem responder todas as perguntas que fizemos. Nós, da esquerda, vamos gaguejar para responder uma por uma

Pedro Arantes

professor da Unifesp

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Inscrição "perdeu, mané" pichada na fachada do STF em 8 de janeiro de 2023 - Pedro Ladeira - 11.jan.23/Folhapress

Na entrevista, o pesquisador aborda as prisões e as condenações de participantes do 8 de Janeiro, tema de análise do livro. Para Arantes, Alexandre de Moraes e o STF estão subindo a régua do punitivismo, sob aplausos de boa parte da esquerda, o que instaura um controle sobre iniciativas de contestação social que se abate tanto sobre golpistas de direita quanto sobre o MST e outros movimentos de esquerda.

Estamos entrando em um léxico meio George Orwell, de "1984", um sistema de controle totalitário das multidões em nome de preservar a democracia contra o golpismo. Até aí parece tudo razoável, mas essa regra vai valer para todos e parece que vai fazer com que quem se beneficia dessa ordem iníqua da sociedade brasileira saia ganhando, porque nossa sociedade estará de mãos atadas, pacificada, para engolir o que der e vier

Pedro Arantes

professor da Unifesp

O Ilustríssima Conversa está disponível nos principais aplicativos, como Apple Podcasts, Spotify e Stitcher. Ouvintes podem assinar gratuitamente o podcast nos aplicativos para receber notificações de novos episódios.

O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.

Já participaram do Ilustríssima Conversa Monica Benicio, viúva de Marielle Franco, Carlos Fico, historiador que pesquisa a ditadura e a intervenção de militares na política brasileira, Fernando Pinheiro, sociólogo que discutiu como imagens de escritores se mesclam em seus livros, Guilherme Varella, para quem o Carnaval de rua é um direito, Christian Dunker, que se contrapõe à conceituação da psicanálise como pseudociência, Rodrigo Nunes, professor de filosofia que propõe pensar a política como ecologia, Betina Anton, autora de livro sobre os anos do médico nazista Josef Mengele no Brasil, Marcelo Medeiros, que discutiu a concentração de renda no país, Larissa Bombardi, geógrafa que pesquisa o uso de agrotóxicos, Flavia Rios, coorganizadora de dicionário de relações étnico-raciais, entre outros convidados.

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