Primavera de aquisições na moda só começou e revela potencial do setor

Ampliação de portfólio dos grupos encontra terreno fértil em cenário de juros baixos e varejo digitalizado

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São Paulo

A maior aquisição da história do varejo de moda nacional foi anunciada nesta segunda-feira (26) após o acordo firmado entre o grupo Soma, dono das grifes Animale e Farm, e a Cia.Hering. Após uma malfadada tentativa de compra pelo grupo Arezzo, a companhia catarinense especializada em moda básica foi arrematada por R$ 5,14 bilhões pela carioca, numa fusão que, se aprovada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), formará a maior companhia de marcas especializadas do país.

Ainda que o mercado olhe com reticência o preço oferecido pelo Soma, que pagará um prêmio de 43,5% pelo valor da ação no pregão da última sexta-feira (23) e, por isso, avalia a Hering em R$ 5,3 bilhões, o negócio coroa, pelo menos por ora, um movimento de consolidação desse segmento que por muitos anos foi visto como pouco lucrativo e com baixa capacidade de crescimento.

Por ora porque uma série de fatos relevantes emitidos pelas empresas nas últimas duas semanas e as especulações que rondam o noticiário jogam luz a uma "primavera" de aquisições que ainda pode vir pela frente, segundo empresários e fontes do mercado ouvidos na última semana.

O empresário Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma - Bruno Poletti - 26.fev.21/Folhapress

A oferta subsequente de ações que deve injetar ao caixa da Renner cerca de R$ 6 bilhões –parte dela, especula o mercado, seria usada para a compra do ecommerce Dafiti—; a aquisição pelas Lojas Americanas de 70% do grupo Uni.Co, dona da marca de moda infantil Puket e de presentes Imaginarium; e a ainda fresca fusão da Reserva com o grupo Arezzo, há seis meses, que criou o braço de “lifestyle” da companhia fundada pela família Birman e abre caminho para novas compras, sinalizam que o varejo de roupas está mais atento à sua capacidade de responder a um consumo imprevisível e digitalizado como se mostrou o brasileiro nesta pandemia.

“Marcas que sejam relevantes para o cliente e consigam entregar valor serão os focos das aquisições. Olhando para o setor de moda com um todo, muitas marcas ainda são familiares, de gestão rudimentar. O segmento atravessa um processo de profissionalização e ganho de eficiência”, avalia o presidente-executivo do grupo Uni.Co, Wellington Santos.

Para ele, a moda é extremamente pulverizada, principalmente o segmento infantil, e há possibilidade de gerar valor para as marcas ampliando o leque de clientes. “Muita empresa se conecta com um público, envelhece com aquele público e morre com ele. Juntas, as marcas têm uma chance maior de gerar valor e acompanhar as mudanças no perfil do consumidor”, diz.

Ele não comenta detalhes da negociação com as Lojas Americanas, que não teve o valor revelado, mas afirma que está mantida a estratégia de novas aquisições dentro das verticais do grupo, aventada no ano passado quando a companhia planejava uma oferta pública de ações, minada pelas novas restrições impostas ao varejo físico –o grupo atua essencialmente no segmento de franquias.

A Folha apurou que uma nova vertical de produtos voltados ao segmento "geek" está nos planos de aquisições da empresa, facilitada pela capacidade fabril e de desenvolvimento em Shenzen, na China, que Santos reconhece ter sido um dos ativos que despertaram interesse das Americanas.

Num período de crise de fornecimento de insumo detonada pelo desequilíbrio das demandas no contexto de pandemia, a verticalização é um dos ativos cobiçados pelos grupos compradores e barganha para marcas. No negócio da Hering com o Soma, por exemplo, foi levado em consideração a capacidade de resposta da varejista no abastecimento da cadeia de suprimentos e na confecção de peças de segmentos convergentes, com foco na malharia.

É também por esse manejo facilitado pelo controle da produção e independência das importações que a Hope é, de acordo com fontes do mercado, uma das marcas na mesa dos grupos e na boca dos analistas como alvo de uma aquisição no curto prazo.

A sócia e diretora de estilo da marca, Sandra Hara Chayo, nega que sua família, proprietária da grife de lingerie, esteja negociando com grupos de capital aberto, sugerindo que, em vez de uma fusão, parece mais factível no momento seguir como um grupo de marcas especializadas.

“Temos duas novas marcas, a Bonjour [focada em produtos mais acessíveis e venda em multimarcas] e a Hope Resort [fitness e casual]. Depois de consolidá-las e, quem sabe, uma terceira marca entrar por meio de aquisição, podemos considerar inclusive um IPO”, revela a empresária.

“Não estamos fechados para propostas, mas acreditamos que temos um mar azul pela frente e também, porque não, podemos virar um consolidador de marcas.”

Chayo refuta em parte a tese em voga nos bastidores do varejo de que as empresas familiares de moda, motores do desenvolvimento da confecção no século passado, estariam com os dias contados. Para ela, o sentimentalismo que supostamente impediria uma visão pragmática dos negócios pode ser facilmente resolvido com um conselho consultivo de profissionais do mercado.

Um dos passos de uma mini-reforma corporativa empreendida após a morte do fundador da Hope e pai das três irmãs à frente no negócio, Nissim Hara, em janeiro deste ano, foi a contratação do fundador do aplicativo de caronas Easy Taxi, Thallis Gomes.

“Meu pai tinha uma visão de negócios muito ampla e já falava da relevância dos canais digitais para o futuro. Compensamos esse olhar que ele tinha com um conselho focado em inovação e comprometido com resultados”, diz Chayo.

Para uma fonte do mercado financeiro que teve papel fundamental numa das fusões dos últimos meses, o mercado vive um “grande estardalhaço” com as movimentações dos grupos, mas ainda não é possível falar em consolidação do varejo de moda porque não haveria muitos “targets” disponíveis, ou seja, uma quantidade razoável de marcas com poder de vendas importante.

Ele cita a C&A como empresa que poderia estar a ponto de ser negociada –fato negado pelos controladores do braço da varejista no Brasil– e a nativa digital Amaro, que estaria em busca de parceiros para sua operação. Mas só.

Segundo ele, haverá pequenas transações, marcas menores compradas pelos grupos, que teriam de ter cuidado para não virar empresas e mercado e esquecer seus fundamentos. Além do fato de que, segundo ele, os juros não devem se manter no patamar de hoje, não adiantaria pensar no volume de vendas de uma marca sem considerar o quanto ela se encaixa no perfil do grupo.

Dominique Olivier, presidente da Amaro - Karime Xavier/Folhapress

Para o presidente-executivo e sócio-fundador da Amaro, o suíço Domique Olivier, ainda não está claro o que os grupos de moda de fato procuram nas marcas com todo o movimento de aquisições, que, para ele, parece estimulado por pressão dos acionistas na cobrança por resultados.

“Por décadas as varejistas brasileiras só investiram em expansão de lojas, absorvendo toda a geração de lucro na venda física. Com a pandemia e um cenário de juros baixos, que injetou dinheiro e abriu portas para investimentos, veio a pressão dos acionistas, que viam a digitalização da concorrência e passaram a cobrar de seus executivos”, avalia o empresário.

Olivier, que antes de fundar a Amaro, em 2012, trabalhou como executivo de marcas de moda na Europa, descarta a ideia de vender o negócio e que, nesse momento, “não faria sentido vendê-la quando todos querem entender o modelo criado pela marca no ambiente digital”.

Ele não revela o faturamento da empresa, que espera encerrar este ano com 50% de aumento na receita, mas conta que o plano é expandir ainda mais o conceito de agregar num único pilar de estilo vários segmentos de vestuário –e, agora, mobiliário e até produtos eróticos–, focando em lançamentos que atendam as demandas das clientes por meio de análise de dados.

“Para dar certo no novo mercado de moda, as marcas precisam primeiro focar em ter relevância cultural e ser importantes na vida das pessoas. Só assim vão sobreviver.”

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