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Estados religiosos fracassam, diz irmão de fundador da Irmandade Muçulmana
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MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO CAIRO
"Deus cria cada pessoa de uma forma", diz o escritor Gamal al Banna, 91, quase num sussurro. "Dentro de uma família não é diferente."
Irmão caçula do fundador da Irmandade Muçulmana, Hassan al Banna, ele é famoso no Egito não só pelos laços familiares, mas também pela polêmica causada nos meios religiosos pelas duras críticas ao radicalismo islâmico.
Marcelo Ninio/Folhapress | ||
Gamal al Banna, 91, fundador mais novo da Irmandade Muçulmana, diz que Estados religiosos fracassam |
A ambição do grupo de estabelecer um Estado com base no islã sempre foi alvo dos maiores ataques. "O Estado islâmico é uma fantasia", diz. "Uma nação fundada na religião está fadada ao fracasso. As histórias islâmica e cristã mostram isso."
Cercado de livros que herdou da família em sua fundação de estudos islâmicos, no coração do Cairo Medieval, Gamal recebeu a Folha horas após o anúncio de que o grupo criado pelo irmão, em 1928, havia conquistado a Presidência do Egito.
Autor de mais de cem livros sobre temas variados, da jurisprudência islâmica ao feminismo, Gamal desenvolveu um conceito peculiar do islã. Suas visões liberais do papel das mulheres e da arte na sociedade o colocaram em choque com a Irmandade Muçulmana.
Jamais se filiou ao grupo, com o qual rompeu depois do assassinato do irmão, em 1949. "Sempre fui um homem independente", explica, com os olhos entreabertos ofuscados pelo sol forte que entra pela janela.
A vitória da Irmandade Muçulmana na primeira eleição presidencial livre da história do Egito foi "natural" para um grupo que "nunca se rendeu", diz Gamal. Mas ele prevê que o antigo slogan "islã é a solução" está prestes a ter um choque de realidade. "É só um slogan", minimiza.
"Na oposição é fácil falar. Agora, as necessidades do poder serão o mestre. Os problemas do Egito são grandes demais para caber num slogan", avalia o escritor.
Apesar do calor de quase 40 graus, Gamal veste uma túnica grossa de gola chinesa, sua marca registrada. O traje incomum, as palavras sussurradas e o rosto ainda imponente, apesar da idade, dão a Gamal a aura de um sacerdote dissidente.
Quatorze anos mais novo que Hassan, teve infância bem diferente da do irmão, o que explica em parte a distância ideológica entre o primogênito e o caçula.
Criado no Cairo, para onde os Al Banna se mudaram quando tinha quatro anos, Gamal frequentou escolas com currículo secular e não teve a formação corânica de Hassan em Al Mahmudiya, o vilarejo de origem da família.
Gamal tinha oito anos quando seu irmão fundou a Irmandade Muçulmana em Ismailia, onde ficava a sede da Companhia do Canal de Suez. A revolta contra a desigualdade social não foi menos decisiva que o fervor islâmico na criação do grupo.
Hassan logo viu que a cidade era composta de dois mundos, segundo Gamal: um, dos altos funcionários da companhia, todos europeus; o outro, de operários árabes, pobres e ignorantes.
Apesar das diferenças de idade e opinião, Gamal diz nunca ter poupado em suas conversas com o irmão críticas às ideias do grupo, em especial ao patamar inferior das mulheres.
"Ele ouvia calado, não concordava nem discordava", relembra. "Hassan al Banna era o líder de um movimento popular, não podia dizer o que queria. Comigo é diferente. Sou livre."
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