Conflito na Ucrânia é 1º teste da relação dos EUA com Moscou

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

O conflito no leste da Ucrânia transformou-se no primeiro teste prático para a relação entre Estados Unidos e Rússia, acompanhada com grande expectativa dada a suposta empatia entre Vladimir Putin e o novo presidente americano, Donald Trump.

Até aqui, contudo, a prova de estresse apenas confirmou o status quo estabelecido desde 2014, quando rebeldes separatistas apoiados por Moscou tomaram o controle da antiga região industrial do Donbass, formando duas "repúblicas populares" —a de Donetsk e a de Lugansk.

Naquele ano, o governo pró-Moscou da Ucrânia foi derrubado, dando lugar a uma gestão pró-Ocidente.

Em retaliação, Putin anexou a região de maioria étnica russa da Crimeia, estratégica por sediar a frota do mar Negro do Kremlin, e deu apoio aos rebeldes étnicos russos numa guerra civil que está semicongelada desde um cessar-fogo em 2015.

Pouco depois da primeira conversa telefônica entre Trump e Putin, no sábado (28), na qual os líderes discutiram a questão, os mais intensos combates na região foram registrados.

Duas cidades pró-Kiev foram bombardeadas, e monitores europeus do acordo de paz contaram 11 mil explosões na área só na quinta (2).

No mesmo dia, contudo, o Departamento de Estado americano reiterou que as sanções ocidentais que asfixiam a economia russa só seriam levantadas com a devolução da Crimeia à Ucrânia —o território historicamente russo fora cedido a Kiev em 1954 pelo governo central soviético, mas sempre reteve maioria (75%) de fala russa.

Não por acaso, foi registrada uma redução na atividade militar nesta sexta (3).

Como em tudo relacionado à dinâmica Trump-Putin, pouco se sabe realmente dos objetivos de cada um.

Geopoliticamente, a Ucrânia é uma divergência quase incontornável: a Rússia vê sua ocidentalização como uma ocupação inaceitável de uma área enorme na sua fronteira oeste. E, ao menos até aqui, o Ocidente insistia em absorver Kiev.

Mas a propalada simpatia de Trump pela figura do presidente russo, somada a negócios que seu grupo poderia manter com Moscou em caso da queda das sanções e às críticas do americano ao papel recente da Otan (aliança militar ocidental), joga dúvidas sobre a equação.

O fato de que o governo Trump aliviou uma sanção específica de compras para o FSB, serviço secreto sucessor da KGB soviética, não passou despercebida. Mas, por ora, a retórica segue sendo a de impasse.

Ao fim, em tese não interessa a Putin uma custosa guerra aberta com a Ucrânia, muito menos um conflito de fato com os EUA. Kiev também não perde tanto ao ficar sem o Donbass: analistas estimam que reabsorver a região custaria ao menos US$ 20 bilhões, quase todo o orçamento do governo.

Como os combates da semana provaram, contudo, a região permanece como um fio desencapado no cipoal de interesses divergentes do Kremlin e do Ocidente.

E conflitos grandes costumam surgir de erros de avaliação seguidos de escaladas incontroláveis, conforme exemplos abundantes na história militar.

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