Embaixador russo tem posição central em controvérsias do governo Trump

VIVIAN SALAMA
VLADIMIR ISACHENKOV
DA ASSOCIATED PRESS, EM WASHINGTON

As duas controvérsias sucessivas sobre as conexões entre o governo Donald Trump e a Rússia agora têm pelo menos uma coisa em comum: o embaixador Sergey Kislyak.

O principal diplomata de Moscou é figura importante em Washington, com uma extensa rede de contatos, e emergiu como como peça central nas investigações sobre as conexões entre assessores do presidente Donald Trump e a Rússia. Em questão de semanas, contatos com Kislyak levaram à demissão de um dos principais assessores do presidente e, na quinta-feira (2), a apelos pela renúncia do secretário da Justiça, Jeff Sessions.

Um funcionário da Casa Branca também confirmou, em paralelo, que o genro de Trump, Jared Kushner, e Michael Flynn, o conselheiro de Segurança Nacional demitido em função de seus contatos com os russos, se reuniram com Kislyak na Trump Tower, em dezembro, para o que o funcionário definiu como breve reunião de cortesia. Flynn perdeu sua posição na Casa Branca no mês passado depois que outros integrantes do governo afirmaram que ele havia prestado informações incorretas ao vice-presidente Mike Pence sobre um telefonema ao embaixador russo no qual eles discutiram as sanções norte-americanas contra Moscou.

Na quarta-feira (1º), surgiram informações sobre dois encontros entre Sessions e Kislyak –um em julho, o outro em setembro, no auge da preocupação sobre o envolvimento de hackers russos na espionagem de contas de e-mails de importantes dirigentes democratas. Os serviços de inteligência norte-americanos concluíram, posteriormente, que Moscou havia ordenado que os hackers influenciassem a eleição norte-americana em favor de Trump.

Durante sua audiência de confirmação como secretário da Justiça, o então senador republicano pelo Alabama negou que tenha mantido contato com quaisquer funcionários do governo russo, e deixou de mencionar suas reuniões com Kislyak, que foram reveladas inicialmente pelo jornal "Washington Post".

A embaixada russa não respondeu a um pedido de comentário.

Ainda que a Casa Branca tenha descartado a revelação, que ela classifica como uma caça às bruxas política, antigos colegas de Sessions encaram com mais seriedade as suas omissões. Membros do Partido Republicano instaram o secretário da Justiça a se afastar das investigações de seu departamento sobre o caso, um pedido que ele acatou. Mas os democratas querem sua renúncia.

Observadores apontam que Kislyak é uma figura um tanto improvável, como causa de controvérsias. No curso de uma longa carreira diplomática, ele tem levado a vida típica de um enviado internacional, tornando-se presença constante no circuito de recepções, chás e mesas redondas que formam o calendário de qualquer embaixador.

Kislyak, apontado para o posto em 2008, é visto frequentemente caminhando pelas ruas de Washington, a caminho de reuniões. Nos meses iniciais de sua estadia, ele abriu as portas da embaixada russa, organizando jantares para os profissionais de política externa, funcionários do Departamento de Defesa, jornalistas e assessores do Congresso.

Pessoas que participaram desses eventos o descrevem como um diplomata gracioso e amável, ainda que talvez não tão polido –ou combativo– quanto seu famoso chefe, o chanceler russo, Sergey Lavrov.

Em 2015, quando Kislyak convidou um grupo de jornalistas de Washington, entre os quais um repórter da Associated Press, para um chá na embaixada russa, ele dedicou o encontro a promover um relacionamento mais caloroso entre os dois países, a despeito do conflito quanto à anexação da Crimeia pela Rússia e à crise na Ucrânia.

Kislyak definiu o relacionamento entre seu país e os Estados Unidos como recuperável, e disse que esperava especificamente combater o que descreveu como retratos caricaturais da Rússia e de seu governo na mídia norte-americana.

Sessions, em uma entrevista coletiva concedida no momento em que decidiu se afastar da investigação sobre os elos entre a Rússia e a campanha de Trump, disse ter discutido diversos assuntos com Kislyak, entre os quais o combate ao terrorismo. Ele disse que a reunião se tornou mais hostil quando a conversa passou a girar em torno da Ucrânia.

Kislyak, 66, tem alternado postos na Rússia e nos Estados Unidos pela maior parte de sua longa carreira.

Sua primeira posição no exterior foi em Nova York, como parte da delegação soviética às Nações Unidas, no começo dos anos 1980. Nos anos seguintes, ele foi secretário e conselheiro na embaixada soviética em Washington, antes de retornar a Moscou em 1989, para ocupar uma sucessão de postos importantes no Ministério do Exterior.

Ele serviu como embaixador russo na Bélgica e enviado de Moscou à Otan (aliança militar ocidental). Em seguida, retornou a Moscou para servir como ministro assistente do Exterior, encarregado do relacionamento com os Estados Unidos e de questões de controle de armas, antes de ser enviado como embaixador a Washington.

Os contatos de Kislyak levantaram questões sobre seu papel ou envolvimento nos episódios de hacking –questões que são difíceis de responder.

Os Estados Unidos e a Rússia, como muitos outros países, adotaram a prática de separar seus principais diplomatas das atividades de espionagem, ainda que não seja incomum que agentes de inteligência operem sob a cobertura de uma posição diplomática sênior. Os diplomatas estrangeiros nos Estados Unidos estão cientes de que suas atividades serão monitoradas pelas autoridades norte-americanas, da mesma maneira que diplomatas dos Estados Unidos são monitorados na Rússia.

Os embaixadores russos provavelmente estão cientes dos agentes de inteligência que operam sob cobertura diplomática, mas não se acredita que eles mesmos sejam parte dos serviços de informações.

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério do Exterior russo, na quinta-feira ridicularizou as acusações de envolvimento de Kislyak em espionagem como "uma total jogada de desinformação", e como parte de esforços para influenciar a opinião pública.

"Revelarei um segredo militar a vocês: cabe aos diplomatas ter contatos nos países nos quais servem", ela disse, sarcasticamente. "É obrigação deles conversar com as autoridades e com membros da elite política".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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