Acidente com trem nos EUA cria novas dúvidas sobre segurança do setor

RYAN BEENE
ALAN LEVIN
MARK NIQUETTE
DA BLOOMBERG

O descarrilamento de um trem da Amtrak no Estado de Washington foi o terceiro acidente fatal com trens da empresa em três anos, levando a ferrovia de passageiros a virar alvo de atenção novamente, menos de um mês depois de reguladores de segurança terem lançado um relatório com críticas contundentes a ela.

O trem 501 da Amtrak estava viajando de Portland (Oregon) no horário de rush matinal da segunda-feira (18) quando descarrilou perto de DuPont (Washington), 80 quilômetros ao sul de Seattle. Vários vagões caíram de um viaduto e atingiram veículos na rodovia expressa Interstate 5, abaixo. Pelo menos três pessoas morreram, 13 vagões descarrilaram, e o governador do Estado de Washington, Jay Inslee, declarou estado de emergência.

Era o primeiro dia que trens da Amtrak percorriam a rota Point Defiance Bypass Project, antes pertencente à ferrovia BNSF, da Berkshire Hathaway e que foi modernizada pelo Estado para possibilitar a passagens de trens mais velozes da Amtrak.

"É um trecho de ferrovia novo em folha. A pergunta vai ser 'será que foi projetado corretamente?'", comentou Fred Millar, consultor independente de segurança ferroviária. "As pessoas ficaram chocadas ao ver esse trem atravessar a murada e cair sobre a rodovia."

No mês passado, em relatório sobre um descarrilamento de trem ocorrido em abril de 2016 em Chester, Pensilvânia, que matou dois funcionários da ferrovia e deixou 39 pessoas feridas, o Conselho Nacional de Segurança dos Transportes (NTSB) criticou o histórico de segurança da Amtrak. Em comunicado de 14 de novembro o Conselho falou de "gerência de segurança deficiente em muitos níveis da Amtrak".

"A cultura de segurança da Amtrak está falhando e vai falhar de novo, enquanto a empresa não mudar o modo como realiza sua gestão de segurança", disse o presidente do NTSB, Robert Sumwalt, na época.

O acidente em Chester foi um de dois casos grandes de descarrilamentos de trens da Amtrak em 2016. Um ano antes, uma colisão em Filadélfia deixou oito mortos e mais de 200 feridos. Esse acidente foi atribuído a um maquinista distraído. Antes de descarrilar, o trem estava andando a mais que o dobro da velocidade permitida em um trecho de curva.

"Quando o NTSB nos faz uma recomendação, nós a implementamos", disse o presidente da Amtrak, Richard Anderson, a jornalistas após o acidente desta segunda-feira. "Posso assegurar que levamos essas recomendações muito a sério e que continuamos a fazer os investimentos recomendados pelo NTSB."

O presidente Donald Trump disse no Twitter que o descarrilamento desta segunda mostra "mais que nunca" por que o plano de infraestrutura que a Casa Branca prepara precisa ser aprovado rapidamente, dizendo: "Sete trilhões de dólares gastos no Oriente Médio enquanto nossas estradas, túneis, ferrovias (e mais) desmoronam! Não por muito tempo!".

Mas a proposta orçamentária de Trump para o ano fiscal de 2018 prevê um corte de US$630 milhões nas verbas para a Amtrak e o fim das rotas de longa distância, citando a pontualidade insatisfatória e os custos altos dessas rotas. A Amtrak, que transporta mais de 30 milhões de passageiros por ano, informou um prejuízo operacional de US$227 milhões no ano fiscal de 2016, sobre receita de US$3,2 bilhões.

O desastre desta segunda-feira ocorreu sobre uma trilha pertencente à Sound Transit, uma empresa pública que atende a área metropolitana de Seattle e o Estado de Washington. Os Estados de Oregon e Washington são donos do serviço Amtrak Cascades, que cobre o trajeto de Eugene (Oregon) para Vancouver (Canadá). A Amtrak opera o serviço como operadora terceirizada.

Para Deborah Hersman, executiva-chefe do National Safety Council, um grupo privado de defesa da segurança, a teia de proprietários e operadoras complica a investigação.

"Se um acidente acontece no corredor nordeste, numa rota da Amtrak, com equipamentos da Amtrak e a Amtrak operando o trem, a responsabilidade será integralmente da Amtrak", disse Hersman. "Precisamos entender o quadro completo. Ainda é cedo para dizer qual foi a causa e identificar os culpados."

A ex-presidente do NTSB Mary Schiavo disse em entrevista à CNN que fotos do acidente sugerem que a velocidade alta pode ter sido um fator responsável. Em um acidente ocorrido a baixa velocidade, os vagões de um trem geralmente continuam enfileirados. Neste caso, estava espalhados, segundo Schiavo. A Associated Press informou que o trem estava andando a 128 km/h antes de descarrilar.

"Minha impressão é que foi um acidente ocorrido em alta velocidade numa curva", disse Schiavo, porque os vagões "foram jogados como folhas ao vento".

A investigação pode rever porque um sistema automatizado de segurança recomendado há muito tempo pelo NTSB não estava instalado naquele trecho da ferrovia.

O sistema Positive Train Control (controle positivo de trens) monitora outros trens para prevenir colisões e não permite que um trem alcance velocidade excessiva.

Há anos o NTSB pressiona os reguladores ferroviários federais e locais a instalarem o sistema de controle de trens para prevenir acidentes. O conselho de segurança concluiu que o sistema teria reduzido a velocidade de um trem da Amtrak que descarrilou em Filadélfia em 2015.

O Congresso decidiu tornar obrigatória a instalação do sistema, mas adiou o prazo final para a instalação para 2018, depois de empresas ferroviárias terem dito que não conseguiriam cumprir um prazo anterior. Richard Anderson, da Amtrak, disse que o sistema não estava ativo na trilha onde ocorreu o acidente desta segunda.

O NTSB enviou uma equipe de investigadores ao local do acidente, que ocorreu na primeira vez em que funcionava uma rota criada com a intenção de aliviar congestionamentos em vias férreas que a Amtrak divide diariamente com quase 50 trens de carga. O lançamento da linha pública foi feito "após semanas de inspeções e testes", segundo o Departamento de Transportes do Estado de Washington.

Cifras da Associação Ferroviária Federal revelam que 775 pessoas morreram nos EUA em acidentes ferroviários no ano passado, mais que as 748 de 2015. Quase 700 pessoas morreram em acidentes ferroviários entre janeiro e setembro deste ano. As cifras incluem mortes em trens de passageiros, trens de carga e trens de zonas metropolitanas, além de pessoas atropeladas por trens.

Trump prometeu pedir US$1 trilhão em investimentos infraestruturais para o país, e a Casa Branca pretende lançar em janeiro um documento detalhado de princípios para ajudar o Congresso a redigir a legislação, segundo um funcionário da administração.

Mas não se prevê que os princípios digam respeito especificamente à Amtrak ou às ferrovias de passageiros. Em vez disso, o plano prevê verbas federais de pelo menos US$200 bilhões ao longo de dez anos que virão de cortes orçamentários não especificados, com a previsão que isso suscite pelo menos US$800 bilhões em gastos de Estados, municípios e do setor privado.

A parte maior do dinheiro federal se destinará a um pool de recursos que Estados e municípios poderão solicitar. A preferência de alocação será dada àqueles que elevam impostos ou encontram outras fontes de renda para projetos, disse o funcionário. A ideia é incentivar Estados e municípios a ajudarem a si mesmos e evitar que o poder federal substitua as fontes de receita não federais.

Democratas e interessados na infraestrutura dizem que US$200 bilhões é uma soma insuficiente, que Estados e municípios já estão cumprindo seu papel e que o governo federal precisa ser um parceiro melhor.

Democratas no Senado propuseram US$1 trilhão em investimentos federais, incluindo US$50 bilhões para "modernizar a infraestrutura ferroviária dos EUA". A proposta não identifica uma fonte de recursos.

O financiamento das propostas é complicado, disse o deputado republicano Bill Shuster, presidente do Comitê de Transportes e Infraestrutura da Câmara, porque os democratas querem mais verbas federais e os republicanos não querem gastos que elevem o déficit.

"Precisamos encontrar uma saída que satisfaça a democratas e também republicanos", disse Shuster. "Mas acredito que essa saída exista."

Tradução de CLARA ALLAIN

Crédito: Eric Baradat/WSDOT/AFP
Imagem de câmera de segurança mostra trem descarrilado em ponte sobre rodovia perto de Seattle
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