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07/12/2010 - 21h03

Negociação nuclear com Irã deve incluir Brasil, defende ex-consultor do Pentágono

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LUCIANA COELHO
DE BOSTON

Apesar da retomada das negociações sobre o programa nuclear iraniano em Genebra, após um hiato de um ano e meio, cresce nos EUA a aposta em um desfecho sombrio.

Recentemente, um ex-diplomata americano que participou das negociações no passado comparou a atual situação com "um trem desgovernado correndo de encontro a uma muralha". Analistas políticos não pensam de forma muito diferente.

"Fizemos uma simulação há um ano aqui em Harvard, e a pergunta era onde estaríamos hoje. Estamos no mesmo lugar", disse à Folha Graham Allison, ex-consultor do Pentágono e autor de "Nuclear Terrorism". "O tempo aqui favorece os iranianos."

Após dois dias de negociação, o único avanço anunciado pelo Irã e pelo P5+1 (EUA, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha) é uma nova reunião em janeiro, na Turquia. Teerã diz querer energia; seus interlocutores temem que queira uma bomba atômica.

Allison vê como irrealista a exigência do P5+1 pela suspensão total do enriquecimento de urânio. E defende como um começo a proposta feita pelo Brasil e pela Turquia em maio. O plano se amparou em pontos ditados pelo governo Barack Obama, mas acabou rechaçado.

Para o diretor do Centro Belfer para Ciências e Questões Internacionais, instituição de ponta no estudo da questão nuclear, Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega turco Taiyyp Erdorgan têm papel na negociação por contarem com a credibilidade de ambos os lados --como, aliás, defende o Itamaraty.

*

Como o sr. vê a retomada das negociações?

A expectativa para essa rodada era a de boxeadores fora do ringue. O P5+1 continua preso à sua posição, de baixo enriquecimento de urânio, e os iranianos respondem: "sem chance". Há um vácuo enorme entre eles.

Os EUA ainda disseram que já não está na mesa a primeira oferta deles de acordo [para o Irã entregar 1200 quilos de urânio a serem enriquecidos em outro país, a um nível adequado para uso médico]. A quantidade agora teria de ser muito maior.

E os iranianos, por sua vez, também não querem falar de outras propostas, a não ser a patrocinada pelo Brasil e pela Turquia. Nesse ponto, eu não vejo nenhuma inclinação de nenhuma das partes a cair na real.

A proposta do Brasil e da Turquia se amparou em alguns parâmetros dados pelos EUA, mas foi criticada aqui como "ingênua" e vista como um empecilho ao processo. O sr. concorda?

Não, eu tenho uma visão diferente.

Eu consigo entender porque, do ponto de vista americano, ver o Brasil e a Turquia entrar em cena não ajudava _se eles já estavam tendo dificuldade em conversar com um lado, imagina com mais lados. Controlar a diplomacia assim é mais difícil.

Por outro lado, as informações que surgiram [a carta de Obama a Lula] depois mostraram que as lideranças do Brasil e da Turquia agiram achando estar em consonância com os EUA.

A carta ressalta os pontos que os EUA diziam achar importante, e o Brasil e a Turquia chegaram muito perto de conseguir. Eles deixaram fora algumas coisas, mas eram coisas que os iranianos estavam brigando para deixar de fora, como parar o enriquecimento de urânio de nível médio.

Minha interpretação era a de que os iranianos estavam preparados para aceitar, e até dar espaço para outro pedido dos EUA que o Brasil e a Turquia não incluíram, o compromisso do Irã em interromper o avanço do enriquecimento baixo para o médio.

Acho que o Brasil e a Turquia fizeram certo. Mas aí os EUA já tinham avançado para a campanha de sanções, inclusive sendo confrontado pelo Congresso. Isso era até mais um motivo pelo qual que acho que os iranianos levariam o acordo adiante, se livrar das sanções, porém o governo aqui concluiu que era melhor avançar com as sanções, cumprir compromissos no Congresso, mesmo que isso fizesse os iranianos virar as costas por um meses.

Eu, particularmente, era a favor das sanções, da política de bater e assoprar, mas também não via nenhum problema com a proposta turco-brasileira. Acho que era um bom começo. A verdade é que os iranianos avançaram no domínio da técnica de enriquecimento. E aí você pergunta quem é que o tempo favorece. Eu acho que é os iranianos.

O anúncio desta semana, sobre eles terem obtido yellowcake [concentrado de urânio], é um indicativo?

Não é uma coisa bombástica, mas sugere que o compromisso deles em obter uma infraestrutura nuclear completa sério. Eles terão a escolha de enriquecer urânio a 90%, e fazer a bomba, e então só uma escolha, uma decisão política, poderá impedi-los.

Para isso, eles terão de pesar os prós e contras políticos de tomar essa decisão, e é aí que mora o desafio americano, achar uma combinação de incentivos e de instrumentos de pressão que os leve a essa decisão, e evite a bomba.

Hoje os EUA e o P5+1 ficam pedindo que o Irã pare todo o enriquecimento, como se o Irã já dominasse o enriquecimento --o que não aconteceu. É uma demanda irreal. E isso não rende acordo.

O que seria uma combinação efetiva? Afinal, há sinais de racha dentro do regime iraniano, e, do lado americano, o presidente Barack Obama não tem margem de manobra com um Congresso opositor.

Pois é, é muito difícil, as coisas estão emperradas no Irã e estão emperradas nos EUA. Um analista de negociações olhando esse cenário diria que se ambas as partes estão se consumindo em embates internos você simplesmente não tem avanço.

Mas a razão pela qual as pessoas continuam dizendo que negociar é a melhor opção é só porque as alternativas são piores: uma guerra, sendo que os EUA estão acima de seu limite militar e as consequências de uma guerra seriam horríveis, ou um Irã atômico, algo inaceitável do ponto de vista americano.

Fora que eu não posso pensar em nenhum exemplo de combinação que faça um país voltar atrás em algo inconcebível, que já obteve.

Acho que a esperança, para quem tem, é que a combinação das sanções, e a dor que elas produzem, com a má gestão econômica interna pelo regime do Mahmoud Ahmadinejad, que prejudica o Irã, e o alinhamento de pessoas do movimento reformista, e novas eleições, pudessem abrir uma janela, criar um momento.

É possível, mas é como uma loteria --você não conta com isso.

Opositores do governo iraniano também criticam as sanções, afirmando que elas só levarão mais gente a apoiar o governo de Ahmadinejad ante um inimigo comum.

É difícil, a dinâmica dentro do Irã funciona de forma diferente para grupos diferentes. Decerto as sanções têm impacto maior sobre os mais pobres. E também servem como boa desculpa, por parte do governo, para o que eles fazem de errado na economia --é só atribuir os problemas às sanções.

Mas também pode levar parte da população, sobretudo os mais cosmopolitas, a dizer que é preciso engolir o orgulho e lidar com a comunidade internacional.

É complicado medir esse impacto, mas também podemos ver que existe um impulso por reforma entre a população mais educada, um desejo de construir uma relação com os EUA e a comunidade internacional. Nesse sentido pessoas como Lula e Erdorgan podem ser muito persuasivas em falar com o governo, com o líder supremo, e mostrar que tem um mundo lá fora esperando que eles se integrem, que isso não implica em se humilhar.

Mas agora, depois dos protestos, nós vimos um fortalecimento da Guarda Revolucionária e dos serviços de segurança, o regime se tornou mais bruto, mais brutamontes. E um regime assim pode não se importar com como as pessoas se sentem.

Fizemos uma simulação aqui há um ano sobre o Irã, e gente de alto nível interpretou as diferentes partes, e a pergunta era onde estaremos daqui há um ano. E estamos no mesmo lugar. Teve um barulho, mas estamos no mesmo lugar. Acho que as coisas vão continuar meio à deriva.

Os EUA terão de lidar com um Irã nuclear?
Eles já têm, né. O Irã já tem capacidade nuclear.

Em baixos níveis.

Mas o suficiente para continuar enriquecendo e produzir três bombas. Se perguntássemos, há três anos, se seria permitido que o Irã chegasse até aqui diríamos que não, de jeito nenhum. Mas a coisa vai avançando.

Acho que se ficar claro que o Irã tem uma estratégia para chegar a três ou seis meses de conseguir uma bomba, acho muito provável que Israel reaja militarmente, ou mesmo os EUA. Mas os iranianos sabem disso e não vão fazer isso, vão fazer algo mais secreto. Um dia acordaremos e eles já terão feito.

Os americanos nunca permitiram que os norte-coreanos tivessem uma bomba. No atual caminho, a política provavelmente vai fracassar.

Onde traçar o limite?

Onde eu não sei, mas é melhor fazerem logo, porque a cada seis meses o limite é empurrado mais para frente. Não faz sentido exigir que alguém não faça algo que já fez. Se eu já fiz e aprendi como fazer, mesmo que eu pare de fazer aqui, eu posso continuar depois.

O sr. acredita que o assassinato de um cientista nuclear iraniano Majid Shahriari, na semana passada, tenha a ver com isso?

Acho plausível que os israelenses estejam por trás, embora eu não tenha informações a respeito. Se eu estivesse sentado em Teerã e me perguntassem qual o principal suspeito, seriam os israelenses. E tanto Israel quanto os EUA têm um longo histórico nesses programas encobertos. A ver se um programa assim teria sucesso.

Isso não pode prejudicar as negociações ainda mais?

Poderia. Se houvesse negociações.

O sr. acredita que o suposto isolamento do Irã pelos vizinhos árabes, exposto nos documentos americanos vazados pelo WikiLeaks, possa servir de pressão ao Irã mesmo não sendo uma surpresa?

É algo a se pensar. Todos os países têm ilusões, e não há segredo que os árabes não morrem de amores pelo Irã. Mas surpreende ver que mesmo em Abu Dhabi, Dubai, onde os iranianos têm comércio, investimentos, contas no banco, podem estar do outro lado.

Não sei se o líder supremo vai ter contato com essas informações, e eu espero que tenha. Se o Irã está tentando assumir um papel mais influente na região, eles talvez tenham de parar e ver que a ambição nuclear está deixando os vizinhos paranoicos, e pode levá-los a concordar com algo mais pesado. E quem sabe eles aceitem parar onde estão e tornar-se um modelo de transparência, permitir inspeções, porque os americanos não podem nos acusar de trapacear.

Seria um alívio na região. E os iranianos podem lucrar com isso.

O sr. acha que Lula e Erdorgan possam desempenhar um papel positivo nas negociações? Não vale a pena aumentar a mesa?

Seria interessante, porque os iranianos hoje pensam que os EUA, o P5+1, estão contra eles e não querem ceder. O Brasil e a Turquia, ao menos pela impressão que e tenho, são países que podem chegar e dizer, "olha, nós falamos com os EUA e também falamos com vocês." Acho isso bem interessante.

Mas, sabe, o governo americano não vai admitir, não vai dizer que não tem tudo sob controle. Provavelmente eu diria o mesmo se estivesse no governo.

 

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