Acordei achando que era pesadelo, diz leitor sobre derrota do Brasil
Sou um bicho que hiberna e acorda a cada quatro anos com uma virulenta paixão pela seleção. Não me falem de time "A" ou "B" que não me desperta nada –é a seleção e só. Quem me conhece bem sabe que guardo com carinho minha coleção de futebol de botões, só que os times são exclusivamente seleções. Logo depois da Copa de 1982, em que o Brasil perdeu para a Itália de Paolo Rossi por 3 a 2, meu pai me presenteou com um campinho tipo "Estrelão", e mais os times do Brasil e da Itália. É claro que no meu mundo botoeiro aquele Brasil venceu umas dúzias de vezes da Itália. Eu mesmo era o juiz, ora... Coisa de filho único, que manipulava os dois times com neutralidade questionável.
Divulgação |
Futebol de Botão no Museu do Futebol |
Jamais esqueci da festa do "Assina que o gol é seu!!!" proferida pelo Osmar Santos, e o surgimento da assinatura do jogador no canto direito inferior da tela, ao som da recém-lançada vinheta "Brasil-sil-sil". Tudo aquilo era contagiante, irresistível e até indescritível. Em 1982 estávamos em busca de um tetracampeonato que só viria quando estava na Faculdade, 12 anos depois. Muita água passaria debaixo das pontes da vida até 1994, e já tinha em minha coleção times que nem existiam mais: Tchecoeslováquia, União Soviética e a Iugoslávia... mas estão lá, nas minhas caixas, guardadinhos.
Acordei hoje achando, por alguns minutos, que tive um daqueles pesadelos de quem come demais no jantar do dia anterior. Pensei, "nah", hoje é que jogaremos com a Alemanha. Imagine, 7 a 1 é coisa de pesadelo mesmo... Olhei no calendário do meu computador e vi 9 de julho, xinguei o Bill Gates: "Windows é um lixo mesmo...", e acertei a data: 8 de julho, afinal, é hoje.
Então acordei para o silencio da rua. Percebi que quem estava errado era eu. Bill Gates não me tapeou com o Windows defeituoso. Meus vizinhos simplesmente não estão gritando no quintal deles, e isso é normal até meio dia! Só ouço um carro passar vez ou outra.
Não foi um mero pesadelo. Foi verdade. Foi um jogo triste, e o feriado paulista veio bem a calhar aqui. Ficou um clima de fim. Um sentimento de perda no ar. Uma ressaca sem álcool, amargura.
Mas aí me lembro de 1982. Lembro de 1994. Lembro que para deixarmos para trás o tricampeonato e nos tornarmos tetracampeões foi um caminho longo, longo demais. Mas conseguimos chegar lá, assim como tenho fé que na próxima vez que acordar, em 2018, possa ver o comprometimento dos jogadores, a paixão da torcida, o hino à capela e os ecos do estádio ressoarem: "Eu sou brasileiro, com muito orgulho..."
Se você é brasileiro, se entristeça sim e com todo o direito, mas só por hoje. Não desdenhe os jogadores, o técnico, e esqueça do quanto a Alemanha marcou. Por mais críticas que você tenha, não se deve esquecer que tentaram o que podiam tentar. Hoje lembramos de Zico, Sócrates, Falcão, Eder e Serginho como grandes jogadores –e de fato foram, mas não ganharam nenhuma Copa do Mundo– e fizeram o melhor que podiam.
Temos algo que ninguém tira da gente, mesmo que o jogo de 8 de julho tivesse sido ainda pior. Temos um legado. Temos uma celebração apaixonada por um esporte que representa liberdade, arte e criatividade.
Temos até um museu para isso! Aqui, o futebol não pertence à aristocracia. Pertence ao povo todo.
Não devemos olhar para o futebol como Marx olhava para a religião, mas vamos olhar para o futebol como fonte de inspiração para lutarmos, em outros campos, pelo que é melhor para o Brasil. E nessa luta, tropeçamos, levantamos e seguimos adiante. Erramos para acertarmos da próxima vez.
Temos a criatividade, não apenas na chuteira. Temos um instinto que poucos povos tem. Não há cartesianismo futebolista alemão que nos oblitere desse destino. Foi uma falha, uma escorregada, um verdadeiro talho em nosso meio de campo. Mas não é o fim. É, na verdade, uma constante busca. E na vida fora do campo é assim também.
Não deixe de torcer pelo Brasil no sábado. Não abandone os atletas que também lhe deram alegrias e esperanças. Afinal, os filhos do Brasil não fogem à luta, seja nas ruas ou nos gramados.
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