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03/10/2010 - 12h15

Virtude e fortuna

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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Os fins justificam os meios. O provérbio erroneamente atribuído a Maquiavel (1469-1527) vem à tona sempre que alianças ominosas e outros pecados políticos marcam uma eleição. Como hoje vai ser difícil fazer justiça com o voto, façamos justiça ao legado do pensador florentino, lendo sua principal obra com as nuances que ela exige.

"O Príncipe" acaba de ganhar nova tradução com prefácio do Fernando Henrique Cardoso --escolha editorial que não deixa de ter certa malícia, sugerindo paralelos entre o realismo de Maquiavel e o do ex-presidente.

Mas quem está em cena é o sociólogo FHC, não o político. E, para ele, esse breviário para o governante introduziu uma "ruptura epistemológica" no pensamento político: em contraste com a noção de que reis e príncipes estariam a serviço de ideais de felicidade, bem comum e virtude, a finalidade da ação pública seria a manutenção do poder.

O que poderia ser expressão de pragmatismo cínico, porém, revela-se consequente com uma concepção do homem como ávido e dissimulado: ao se impor pela força, o príncipe cria limites à ambição; agindo com crueldade, extrai da natureza humana um contraveneno para "evitar que os instintos destruidores prevaleçam".

Diversos pensadores tentaram identificar motivações ocultas na prosa desse autor envolvido nas disputas políticas da Itália do século 16. Um humanista angustiado com os vícios de seu tempo (Benedetto Croce); um esteta que compôs um idílio neoclássico sobre a "cidade ideal" (Koening); um realista que rejeitou fantasias utópicas (Bacon); ou, na visão de Isaiah Berlin, um espírito pagão que substitui a abstrata moralidade cristã pela aceitação do jogo entre a "fortuna" (acaso) e a "virtude" (audácia na adversidade).

"O Príncipe" permite essas leituras, tão ricas quanto contraditórias -e, sobretudo, alheias à vulgaridade iletrada da política contemporânea.

LIVRO
"O PRÍNCIPE" **
AUTOR: Nicolau Maquiavel
TRADUÇÃO: Maurício Santana Dias
EDITORA: Penguin Companhia (176 págs., R$ 19,50)

CONEXÕES:

LIVROS
"MAQUIAVEL NO INFERNO" **
Biografia que mostra os traumas familiares e políticos que estão na gênese da obra do pensador florentino.
AUTOR: Sebastian de Grazia
TRADUÇÃO: Denise Bottmann
EDITORA: Companhia das Letras (1993, 464 págs., R$ 67,50)

"A MANDRÁGORA" **
Nessa comédia sobre corrupção moral e volubilidade, o "maquiavélico" Calímaco convence um parvo jurista a deixar que durma com sua mulher, para recuperar sua fertilidade.
AUTOR: Nicolau Maquiavel
TRADUÇÃO: Mario da Silva
EDITORA: Peixoto Neto (2004, 208 págs., R$ 26,90)

Para ler nas eleições

1. "Abre-te, Sésamo", frase que dá a Ali Babá o acesso a uma caverna com tesouros roubados, poderia ser a senha para edifícios públicos de Brasília.
"ALI BABÁ E OS 40 LADRÕES" *
Tatiana Belinky (Martins, 1997, R$ 26,80)

2. Clássico em que o pensador francês identifica no sistema eleitoral norte-americano o risco de um "despotismo da maioria".
"A DEMOCRACIA NA AMÉRICA" *
Alexis de Tocqueville (Martins, 2005, R$ 72,90)

3. O mantra da personagem de Melville --"Preferia não fazê-lo"-- é um emblema da alienação voluntária do homem moderno: poderia ser o bordão dos adeptos do voto não-obrigatório.
"BARTLEBY, O ESCRIVÃO" **
Herman Melville (José Olympio, 2007, R$ 22)

4. O ensaio em que Wilde defende a arte de mentir como verdade da ficção foi devidamente transposto para as ficções da política.
"A DECADÊNCIA DA MENTIRA E OUTROS ENSAIOS" *
Oscar Wilde (Imago, 1994, R$ 19,90)

5. Os imperialistas denunciados pelo escritor uruguaio são vilões de conto de fadas perto das lideranças locais.
"AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA" **
Eduardo Galeano (Paz e Terra, 2007, R$ 50,50)

DISCO
"BACH: DIE KUNST DER FUGE" **
Bernard Foccroulle (Ricercar; R$ 106,25, CD duplo)
A fuga é a mais hipnotizante forma musical: a mesma linha melódica é repetida a duas ou mais vozes, porém com pequena defasagem, como se uma perseguisse ou imitasse a outra Bach foi o mestre absoluto no gênero e sua "Arte da Fuga", aqui interpretada ao órgão, explora variações que transformam a repetição em fatalidade.

FILME
"DOMINGO MALDITO" **
John Schlesinger (Versátil; R$ 37,50)
O triângulo entre um médico judeu e homossexual (Peter Finch), uma mulher madura (Glenda Jackson) e um jovem designer (Murray Head), na Londres dos anos 1970, mostra o lado nada eufórico da revolução sexual. Schlesinger incorpora a liberdade de costumes à cena sem qualquer panfletarismo, para expor o vazio que sempre ronda as relações amorosas.

 

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