Contra poluição, tribunal alemão decide que cidades podem proibir carros

Veículos a diesel, antes considerados menos poluentes, estão na mira de diversos países

Melissa Eddy
New York Times | The New York Times

O mais alto tribunal administrativo alemão decidiu nesta terça-feira (27) que veículos podem ser proibidos de circular em determinadas ruas de uma cidade como parte dos esforços para melhorar a qualidade do ar nas áreas urbanas. A decisão que pode ter consequências importantes para as montadoras de automóveis da Alemanha e para a tecnologia de motores a diesel que elas promoveram por décadas.

Na Alemanha, carros liberam fumaça de seus escapamentos
Carros nas ruas alemãs liberam fumaça de seus escapamentos - Martin Meissner/AP

Outros países europeus adotaram medidas para reduzir o número de carros a diesel, mas a tecnologia tem forte identificação com a Alemanha. No país circulam quase 15 milhões de carros a diesel e as montadoras de automóveis apostaram seu futuro em uma tecnologia que retratavam como positiva para o ambiente, enquanto adulteravam o software de seus carros a fim de conseguir sua aprovação nos rigorosos testes alemães quanto à emissão de poluentes.

Organizações ambientalistas receberam positivamente a decisão do Tribunal Administrativo Federal, cujo foco eram os esforços da cidade de Stuttgart para limitar as emissões de poluentes, mas que estabeleceu um precedente para todas as cidades da Alemanha.

Ainda que tenham previsto que proibições de circulação de veículos poderiam entrar em vigor em algumas cidades já neste ano, muitos governos municipais e montadoras apontaram para trechos da decisão que pareciam indicar que seu efeito final ainda não está determinado.

A decisão dispõe que haja "proporcionalidade", estipulando que apenas modelos mais antigos e com níveis de emissões elevados estariam sujeitos à restrição, e que outras considerações também deveriam ser levadas em conta. Mas as montadoras advertiram que permitir que cada cidade estabelecesse suas regras poderia resultar em confusão para os motoristas.

"A Volkswagen tem de aceitar a decisão do Tribunal Administrativo Federal, mas não é capaz de compreendê-la", afirmou a empresa em comunicado, acrescentando que a forma pela qual ela seria implementada "pode incomodar milhões de motoristas" e é "completamente incerta".

Mas a Deutsche Umwelthilfe, a organização ecológica e de defesa dos direitos dos consumidores alemã que iniciou o processo, elogiou a decisão como vitória clara para os moradores de dezenas de cidades alemãs que sofrem de problemas respiratórios e outros problemas de saúde causados pela poluição do ar.

"Os dias em que os centros das cidades se viam inundados pelas venenosas emissões dos motores a diesel ficaram no passado", disse Jürgen Resch, diretor executivo da Deutsche Umwelthilfe. "Esses veículos já não têm lugar em nossas cidades."

Frustrada com a falta de progresso na melhora da qualidade do ar em cerca de 70 das mais poluídas cidades alemãs, a organização abriu processos contra diversos governos locais, exigindo que eles respeitem os padrões de qualidade do ar estabelecidos pela União Europeia.

Em alguns casos, as cidades determinaram que a única maneira de cumprir as normas seria proibir a circulação de certos veículos —especialmente os equipados com motores a diesel mais antigos— em suas ruas.

Resch disse antecipar que as primeiras proibições entrariam em vigor antes do final do ano, nas cidades alemãs que apresentam níveis mais elevados de poluição. Entre elas estão Stuttgart, sede da Porsche e da Mercedes, e Düsseldorf, ambas envolvidas diretamente no processo.

"A proibição de circulação de determinados carros a diesel está dentro da lei", o tribunal afirmou em sua decisão, como forma de permitir que as cidades cumpram os limites para emissões de poluentes estabelecidos pela União Europeia em 2010.

O tribunal constatou adicionalmente que, quando as emissões excederem os limites permitidos, proibir todos os veículos com motores a diesel mais velhos que os aprovados em 2014 e todos os veículos a gasolina com motores mais velhos que os aprovados em 2001 seria a única maneira de as autoridades municipais garantirem a qualidade do ar.

Em 2016, um tribunal de primeira instância em Stuttgart decidiu em favor da Deutsche Umwelthilfe, que argumentou no processo que a única maneira efetiva de reduzir o nível de óxido de nitrogênio em áreas urbanas era tirar das ruas os veículos causadores da poluição, a maioria dos quais equipados com motores a diesel.

Mas o Estado de Baden-Württemberg recorreu da decisão da primeira instância, e um tribunal do Estado da Renânia do Norte-Vestfália apelou a uma instância superior por intervenção, afirmando que apenas o governo federal tinha o direito de impor os padrões da União Europeia.

A decisão que autorizou as proibições —já comuns nos vizinhos europeus da Alemanha— pode abrir caminho a diversas medidas novas em cidades de todo o país. Mas a resistência a medidas que restringem os direitos dos motoristas continua a ter raízes profundas na Alemanha.

A tecnologia diesel foi desenvolvida no país e responde pela maior parte dos 800 mil empregos gerados pela indústria automobilística alemã.

Ferdinand Dudenhöffer, professor que dirige um centro de pesquisa automotiva na Universidade de Duisburg-Essen, alertou os alemães que dirigem carros a diesel mais velhos que não deveriam tentar vendê-los, porque a decisão judicial fará com que os preços despenquem. Ele criticou o governo e a indústria automobilística por não terem tratado o problema da emissão de poluentes pelos motores a diesel com a seriedade requerida em uma reunião realizada em agosto em Berlim.

"As montadoras de automóveis e as autoridades agora precisam dialogar e enfim chegar a uma solução sobre como vamos resolver essa encrenca", disse Dudenhöffer.

A chanceler alemã Angela Merkel, cujo governo está sob pressão há anos por um posicionamento mais firme contra a poderosa indústria automobilística, tentou minorar as preocupações dos proprietários de veículos a diesel. "A decisão se aplica apenas a certas cidades, nas quais haverá negociação a realizar", disse a chanceler depois da decisão. "Ela certamente não afeta toda a Alemanha e toda pessoa que tenha um veículo no país."

Organizações de municípios haviam alertado antes da decisão que permitir a proibição seria fatal para os centros das cidades, nos quais os trabalhadores dos serviços de emergência, de entregas e de manutenção, e muitos moradores, dependem exclusivamente de veículos a diesel.

O diesel foi alardeado por décadas como alternativa menos poluente aos motores a gasolina, sob o argumento de que os carros com motores a diesel eram melhores para o ambiente porque queimam combustível de modo mais eficiente e emitem menos dióxido de carbono.

Mas em 2015 as autoridades dos Estados Unidos revelaram que a Volkswagen havia iludido os consumidores ao adulterar o software de seus veículos a fim de facilitar sua aprovação em testes de controle de poluição. O software reduzia a emissão de poluentes quando o veículo estava em ambiente controlado, mas os limites eram removidos quando o veículo circulava em condições normais.

De lá para cá, o escândalo se agravou, mais recentemente com as revelações sobre um estudo no qual a Volkswagen forçou macacos a inalar os gases de escapamento de um Fusca, em um esforço para provar que eles não faziam mal.

Na reunião de agosto, o governo da Alemanha ordenou a todas as montadoras que resolvessem o problema, e elas responderam propondo um software que manteria as emissões em nível de laboratório quando o carro estivesse circulando pelas ruas. Mas organizações ambientais rebateram a ideia afirmando que esse tipo de solução não reduz a poluição tanto quanto necessário.

Uma alternativa seria um kit para atualizar veículos mais antigos, a um custo de entre 1,4 mil e 3,3 mil euros (US$ 1,725 mil a US$ 4,06 mil), o que reduziria a emissão de poluentes dos motores diesel em mais de 70%, de acordo com o ADAC, o autoclube da Alemanha.

Os compradores já começaram a deixar de lado a tecnologia diesel. Os números mais recentes mostram queda de 17% no número de carros com motores a diesel registrados em janeiro, ante dezembro. Os dados refletem uma tendência iniciada no ano passado, e as autoridades temem que isso represente ameaça para o setor.

Da mesma forma que Stuttgart e Düsseldorf, Munique está estudando proibir a circulação de veículos a diesel mais velhos. Elas se uniriam a cidades europeias como Madri e Atenas, que anunciaram que proibirão a circulação de veículos a diesel a partir de 2025. O Reino Unido e a França também anunciaram que as vendas de novos veículos a diesel seriam proibidas a partir de 2040.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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