Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Itamaraty elimina setor de mudança climática, e Ambiente fica sob Soberania Nacional

Divisão representava governo brasileiro em fóruns internacionais do clima; chanceler já disse que defesa do tema é 'tática globalista'

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Brasília e São Paulo

Um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) extinguiu a subsecretaria do Ministério das Relações Exteriores que cuidava de questões relativas ao ambiente e à mudança climática. 

Motivo de apreensão no Itamaraty desde a posse do embaixador Ernesto Araújo como chanceler, o decreto que reorganiza a pasta foi publicado na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial.

Na nova configuração, a antiga Subsecretaria-Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia e a Divisão da Mudança do Clima foram substituídas pelo novo Departamento de Meio Ambiente. 

Ernesto Araujo, ministro das Relações Exteriores do governo de Jair Bolsonaro, sorri
Ernesto Araujo, ministro das Relações Exteriores do governo de Jair Bolsonaro - Adriano Machado/Reuters

O órgão passa a ser o responsável por "propor diretrizes de política externa no âmbito internacional relativas ao meio ambiente, ao desenvolvimento sustentável, à proteção da atmosfera, à Antártida, ao espaço exterior, à ordenação jurídica do mar e seu regime, à utilização econômica dos fundos marinhos e oceânicos e ao regime jurídico da pesca".

Esse departamento estará abrigado na recém-criada Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania, um tema central nos discursos e artigos de Araújo. 

A secretaria engloba também os departamentos de Segurança e Justiça, o de Defesa, o de Nações Unidas e o de Direitos Humanos e Cidadania.

A ela compete o assessoramento nas questões relativas a cooperação jurídica internacional, política imigratória, desarmamento, ilícitos transnacionais, entre outras, define o decreto. 

A antiga divisão de mudanças climáticas era responsável, entre outras atribuições, por representar o governo brasileiro em fóruns internacionais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e a Organização Marítima Internacional, entre outros.

Ela também tinha como papel contribuir para que a definição das políticas nacionais refletisse os compromissos ambientais assumidos pelo país. A área de mudanças climáticas também foi extinta da pasta do Meio Ambiente. 

Para diplomatas ouvidos pela Folha, o pior cenário será a a redução da equipe que acompanha as negociações internacionais sobre o clima, o que reduziria também o poder de influência do país sobre o resultado dos acordos.

Um ex-negociador cita como exemplo as estratégias de países contrários ou mais conservadores nas negociações climáticas, como os Estados Unidos e Arábia Saudita. Ambos mantêm equipes de diplomatas numerosas e bem articuladas, preparadas para moldar as regras dos acordos climáticos e negociar em nome do interesse dos seus países.

Na avaliação de um diplomata, manter a capacidade de negociação climática é estratégico para defender a soberania do país e obter financiamentos.

​No entanto, ainda há a expectativa de que o novo governo reconheça a importância de manter o quadro de negociadores climáticos. O decreto não especifica a alocação dos negociadores climáticos, mas permite a interpretação de que eles atuem sob uma das divisões do novo Departamento de Meio Ambiente.

Em comunicado, o Itamaraty afirmou que "a nova estrutura busca maior eficiência administrativa e economia de recursos".

Também foram extintos os departamentos de Temas Científicos e Tecnológicos, o de Energia e o de Sustentabilidade Ambiental.

"Agora, a agenda ambiental fica órfã", diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC). "Você até pode imaginar que exista alguma relação entre mudança climática e proteção à atmosfera, mas clima vai muito além disso, é um tema de desenvolvimento de qualquer nação."

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já escreveu que a "defesa da mudança do clima" é "basicamente uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder."

Com o fim da subsecretaria-geral e do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos, assuntos dessa seara passarão a ser concentrados no novo Departamento de Promoção Tecnológica.

"Essa perda de status da ciência no Itamaraty é também preocupante e mostra que as políticas do ministério podem passar a ser mais orientadas pela fé e ideologia do chanceler que em evidências científicas", afirma Rittl.

Em nota, o OC afirma que "com isso, o Brasil abdica um papel de destaque e que vem ocupando desde 1972 nas negociações multilaterais de desenvolvimento sustentável --um dos poucos aspectos da cena internacional em que o país é líder nato. A nova economia verde, defendida na Eco92 e na Rio +20, no Rio de Janeiro, encolhe para ceder espaço ao velho extrativismo mineral e ao agronegócio, reforçados na nova estrutura do Itamaraty, numa primarização da política externa".

Além da mudança relativa ao ambiente, o decreto também passou a dar mais destaque dentro do Itamaraty ao agronegócio, com a criação de um departamento voltado ao setor debaixo do guarda-chuva da Secretaria de Política Externa Comercial e Econômica.

A secretaria inclui ainda departamentos de organismos econômicos multilaterais, outro de serviços e de indústria, e também um de energia, recursos minerais e infraestrutura.

O chanceler também reformulou secretarias de negociações bilaterais, dividindo-as entre aquela voltada às Américas, outra dedicada a Oriente Médio, Europa e África, e mais uma dedicada a Ásia, Oceania e Rússia.

Na primeira secretaria, os Estados Unidos têm um departamento próprio, assim como o Mercosul. A China também será objeto de um departamento específico. 

As relações de Brasília com Pequim e Washington devem dar o tom da política externa no governo Bolsonaro.

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