Descrição de chapéu Agência Fapesp

Satélites mostram invasão de 'rio de fumaça' de queimadas sobre São Paulo

Nuvens se formaram na Amazônia, Bolívia e Paraguai e fizeram dia virar noite na capital paulista

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Matheus Moreira Karina Toledo
São Paulo | Agência Fapesp

Imagens de monitoramento captadas por satélites mostram nuvens de fumaça originadas pelas megaqueimadas que se espalharam pelo Brasil entre a tarde de domingo (18) e a manhã desta quinta (22). 

Foi na segunda-feira (19) que uma grande massa de fumaça atingiu a capital paulista e fez o dia virar noite quando o relógio marcava por volta das 15h. Segundo o meteorologista do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) Franco Nadal Villela, o anoitecer repentino foi desencadeado por ao menos dois fatores: o encontro de uma frente fria (vinda do leste de São Paulo) com ventos quentes carregados de aerossóis gerados pelas queimadas. 

Movimentação das nuvens de fumaça entre 17 e 19 de agosto

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No dia 19 de agosto anoiteceu por volta das 15h na cidade de São Paulo. A principal hipótese é de que o acúmulo de material particulado oriundo de queimadas na Amazônia, Bolívia e Paraguai tenha contribuído para o evento - Programa Copernicus/ESA

Nas imagens, obtidas pelo programa Copernicus da Agência Espacial Europeia e pelos sistemas Lidar e CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) —ambos financiados pela Fapesp (fundação paulista de pesquisa)— é possível ver que a fumaça (em vermelho e amarelo) saiu da Amazônia, da Bolívia e do Paraguai e seguiu direção à região Sudeste do Brasil (veja abaixo).

"Há incêndios silvestres de grande magnitude acontecendo no Paraguai, na região do Pantanal. Desde o final de semana os ventos fortes estão favorecendo a vinda de elemento particulado por Mato Grosso do Sul chegando a São Paulo. O material particulado ajuda na formação das nuvens, e quando se formam junto com ele, o céu fica ainda mais escuro", diz Villela, do Inmet.

O próprio Inmet (órgão responsável pelas informações oficiais do clima no país) disse em nota que a escuridão repentina registrada na capital paulista nesta segunda foi intensificada pela presença de material particulado de queimadas. “Parte deste material é de origem local e oriundo da Amazônia, mas outra parte considerável, talvez a predominante, de queimadas de grandes proporções, originadas nos últimos dias perto da tríplice fronteira da Bolívia, Paraguai e Brasil, próximo da região de Corumbá, no Pantanal sul-matogrossense”.

O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) tem outra explicação. Para o instituto, os ventos nessa época do ano se movimentam no sentido anti-horário, o que possibilitou que a fumaça do leste da Amazônia fosse para o oeste e então para o sul.  

O que indicam os sistemas Lidar e CPTEC

Dois sistemas que permitem o monitoramento de poluentes atmosféricos – desenvolvidos nas últimas duas décadas com apoio da Fapesp – estão ajudando cientistas a entender fenômenos raros, como o observado no céu de São Paulo.

Ainda no domingo (18), uma intensa pluma de material particulado com mais de 3.000 m de altitude foi detectada por uma equipe do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) por meio do sistema Lidar, do Centro de Lasers e Aplicações (CLA). 

Posteriormente, com auxílio de imagens de satélites da Nasa —a agência espacial— e de um modelo que prevê a trajetória percorrida por massas de ar, os pesquisadores concluíram se tratar de partículas provenientes de queimadas ocorridas nas regiões Centro-Oeste e Norte, entre Paraguai e Mato Grosso, abrangendo trechos da Bolívia, Mato Grosso do Sul e Rondônia.

“O sistema [Lidar] ilumina o céu e as partículas presentes na atmosfera refletem a luz, que captamos com um telescópio. Ao analisar esse sinal, conseguimos identificar o tipo de partícula e a distância da superfície em que ela se encontra”, explica Eduardo Landulfo, doutor em Tecnologia Nuclear e pesquisador da Fapesp.

Partículas de queimadas vindas das regiões Centro-Oeste e Norte interagiram com nuvens trazidas por frente fria vinda do sul, causando escurecimento do céu e da água da chuva
Partículas de queimadas vindas das regiões Centro-Oeste e Norte interagiram com nuvens trazidas por frente fria vinda do sul, causando escurecimento do céu e da água da chuva - CPTEC

Segundo o pesquisador, a pluma de poluição começou a pairar sobre a Grande São Paulo entre 16h e 17h da tarde de domingo, resultado de queimadas que ocorreram muito provavelmente de quatro a sete dias antes.

Como explicou Saulo Ribeiro de Freitas, do Inpe, a massa de ar poluído gerada pelas queimadas nas regiões Norte e Centro-Oeste geralmente é empurrada a 5.000 m de altitude por ventos que sopram do Atlântico para o Pacífico (de leste para oeste), até esbarrar na Cordilheira dos Andes. A fumaça começa então a se acumular sobre o leste do Amazonas, Acre, Venezuela, Colômbia e Paraguai –até que o chamado sistema anticiclone, com ventos que circulam a 3.000 m de altitude no sentido anti-horário, começa a transportar a massa poluída na direção sul, margeando os Andes.

O transporte atmosférico de emissões de queimada sobre a América do Sul vem sendo monitorado no CPTEC, do Inpe, desde 2003.

Nas imagens obtidas pelo instituto é possível ver que no dia 16 de agosto o “rio de fumaça” descia no sentido sul, atingindo Porto Alegre (RS) e parte da Argentina. Aos poucos, vai sendo desviado para o Sudeste e, no dia 20 de agosto, já cobre boa parte do Estado de São Paulo.

De acordo com o professor do Instituto de Física da USP Paulo Artaxo, durante sua trajetória rumo à região Sudeste, a pluma das queimadas interagiu com o vapor d’água na atmosfera, alterando as propriedades das nuvens.

“As partículas funcionam como núcleo de condensação da água. Assim, gotículas de chuva menores são formadas, mas em grande quantidade e isso faz com que uma maior parte da radiação solar seja refletida de volta para o espaço, a ponto de escurecer o solo, como aconteceu no último domingo”, disse.

 

Em nota técnica divulgada no dia 20 de agosto, cientistas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) afirmaram que “a Amazônia está queimando mais em 2019 e o período seco, por si só, não explica este aumento”.

O número de focos de incêndios para a maioria dos estados já é o maior dos últimos quatro anos – até 14 de agosto eram 32.728 focos registrados, número 60% superior à média dos três anos anteriores. A estiagem, por outro lado, está mais branda. Tal fato, afirma o Ipam, indica que “o desmatamento possa ser um fator de impulsionamento às chamas”. “Os 10 municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento”, diz o texto. 

Os pesquisadores se basearam em dados do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento) do Imazon, do sistema de detecção de focos de calor do satélite AQUA, da Nasa, e dados de precipitação do CHIRPS (Climate Hazards Group Infrared Precipitation and Station Data).

Dados do Sistema Deter, do Inpe, que emite alertas diários de áreas desmatadas para ajudar na fiscalização, indicam que o desmatamento na Amazônia cresceu 50% em 2019. Julho foi o pior mês da série histórica, com 2.254 quilômetros quadrados (km²) de alertas – alta de 278% em relação a julho do ano passado. 

De agosto de 2018 a julho de 2019, o Deter apontou 6.833 km² desmatados, contra 4.572 km² no ano passado (agosto de 2017 a julho de 2018). A taxa oficial da destruição será dada no fim do ano pelo sistema Prodes, também do Inpe. 

 
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