Queimadas na Amazônia acuam governo Bolsonaro e criam embate com Macron

Governo brasileiro acusa ongs e governos estrangeiros, mas não apresenta propostas

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Brasília e São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) acusou a pressão crescente a que vem sendo submetido com o avanço das queimadas pelo país e criou uma força-tarefa para lidar com a Amazônia.

A medida veio após o governo redobrar o discurso contra os críticos de sua gestão ambiental, escolhendo como antagonistas as ONGs e o presidente da França.

Ecoando uma onda global alimentada pela divulgação das imagens do fogo, o francês Emmanuel Macron publicara horas antes, em redes sociais, um apelo por medidas urgentes em defesa da floresta.

Reproduziu junto ao texto uma foto da mata em chamas que tem pelo menos 15 anos, o que levou o brasileiro a acusá-lo de ser ‘sensacionalista’.

Macron chegou a classificar as queimadas na Amazônia como “crise internacional” e a exortar seus colegas do G7 (EUA, Alemanha, Reino Unido, Japão, Canadá e Itália) a debaterem o tema como emergência na cúpula do grupo, neste fim de semana. 

Fumaça decorrente de incêndios na Amazônia clareia céu na região de Humaitá, no Amazonas
Fumaça decorrente de incêndios na Amazônia clareia céu na região de Humaitá, no Amazonas - 17.08.2019 - Ueslei Marcelino/Reuters

Além do francês, o secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse preocupado e afirmou que a Amazônia “precisa ser protegidas”.

“A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G7 sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século 21”, reagiu Bolsonaro no Twitter. 

“Lamento que o presidente Macron busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos para ganhos políticos pessoais.”

Os desentendimentos entre os dois líderes se acirraram desde que o brasileiro ameaçou deixar o Acordo de Paris sobre o Clima e o francês reagiu prometendo barrar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.

Mas Bolsonaro, ante as críticas domésticas e externas, também disse que o governo “segue aberto ao diálogo, com base em dados objetivos e no respeito mútuo”.

Foi sua quarta manifestação sobre as queimadas somente nesta quinta-feira (22) —mais cedo, ele pedira que a população enviasse denúncias de queimadas criminosas para a conta no Twitter do general Augusto Heleno (Segurança Institucional).

A posição cerrada foi reforçada por outros integrantes do governo. Em São Paulo para um evento, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que as crescentes críticas de governos europeus à política ambiental brasileira visam “estabelecer barreiras ao crescimento e ao comércio de bens e serviços do Brasil”.

“Por que eles têm tanto interesse em criar dificuldades ao Brasil? O Brasil é o grande competidor em commodities, em bens minerais e é o último grande depósito da humanidade em biodiversidade”, disse Onyx.

O ministro falava das chamadas “barreiras verdes”, sanções ou medidas adotadas contra exportações de produtos de um país que desrespeita normas ambientais, por vezes usadas para encobrir ações protecionistas.

As manifestações, entretanto, transcendem as rodas políticas. Protestos diante de embaixadas brasileiras em várias capitais foram convocados para esta sexta (23) e domingo (25), ecoando atos planejados para acontecer no Brasil. Celebridades globais, como Madonna e o ator Leonardo DiCaprio, usaram suas redes para pedir ação pela Amazônia.

Diante da grita, Bolsonaro admitiu que as queimadas podem ser causadas por fazendeiros, mas repetiu a acusação contra organizações não governamentais que atuam na região. “Todo mundo é suspeito, mas a maior suspeita vem de ONGs”, disse a jornalistas pela manhã.

O presidente também republicou em suas redes sociais uma longa defesa em inglês, escrita pelo assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, na qual ele cita o histórico ambiental do país e um compromisso de combater o desmate ilegal. 

“Se você está se perguntando quem vai salvar a Amazônia, eis a resposta direta: não é a retórica vazia, histérica e enganosa da grande mídia, burocratas transnacionais e ONGs, mas uma ação soberana do Brasil”, escreveu.

O embate entre o governo Bolsonaro e críticos de sua gestão ambiental ganhou corpo nas últimas semanas, após o presidente questionar os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre aumento do desmatamento —o que, após atritos, levou à demissão do presidente da entidade, Ricardo Galvão.

Um dos sistemas usados pelo instituto, o Deter, verificou que o desmatamento quase duplicou na comparação de junho deste ano com o mesmo mês de 2018 e quase quadruplicou em julho.

Nos 12 meses até julho, segundo aferição da ONG de pesquisa Imazon, o avanço foi menor, de 15%.

Apesar dos indícios, não há dados que comprovem, ainda, a agudização a partir de 2019.A chegada de nuvens de fumaça escurecida a São Paulo, vindas também de países vizinhos onde a prática de queimadas é disseminada como Paraguai e Bolívia, acendeu, contudo, um alerta. 

Depois de a maior cidade do país ver o céu enegrecer antes das 16h da última segunda-feira (19), as queimadas tomaram jornais e TVs pelo país e pelo mundo.

O tema é especialmente caro para o governo Bolsonaro, que já na campanha apontava a Amazônia como suposto alvo de cobiça internacional e ponto estratégico para sua afirmação de soberania.

O caldo engrossou com a recente decisão de Alemanha e Noruega de suspenderem o financiamento ao Fundo Amazônia, que mantém ações de preservação ambiental na região, após meses de tratativas com o governo. 

A reação de Bolsonaro tem sido acusar os países europeus de quererem interferir no Brasil, de não cuidarem de seus recursos naturais e de patrocinarem ONGs supostamente antipatrióticas. 

Na quinta, a ideia conspiratória ressurgiu. “Perderam dinheiro. Tem que tentar fazer o quê? Me derrubar.”

Itamaraty reage às críticas de Macron

Na esteira das primeiras reações do presidente Jair Bolsonaro, o Itamaraty e um expoente do Exército reagiram duramente às críticas realizadas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, à gestão ambiental da amazônia pelo governo brasileiro.

Na noite desta quinta-feira, 22, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou uma série de posts em sua rede social, atribuindo à crise a uma reação da "esquerda" às mudanças implementadas pelo governo Bolsonaro na sociedade.

"[A crise ambiental] parece ser a última arma q resta no arsenal de mentiras da esquerda", escreveu. [O governo] está introduzindo racionalidade nos debates sobre o meio ambiente e sobre o clima, protegendo o ambiente com soberania e sem histeria. Está governando o Brasil para os brasileiros, sem pedir permissão às ONGs ou aos controladores do discurso politicamente correto".

Para o general Villas Bôas, ex-comandante do Exército e assessor do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), as críticas do líder francês adquiriram tons bélicos. Pelo Twitter, o militar hoje na reserva identificou nas declarações de Macron uma ameaça de guerra.

"Com uma clareza dificilmente vista, estamos assistindo a mais um país europeu, dessa vez a França, por intermédio do seu presidente Macron, realizar ataques diretos à soberania brasileira, que inclui, objetivamente, ameaças de emprego do poder militar."

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