Esboço de decisão da COP26 propõe acelerar fim de combustíveis fósseis

Expectativa é que países dependentes de petróleo derrubem a proposta até sexta-feira

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Glasgow (Escócia)

A presidência britânica da COP26, conferência de mudanças climáticas da ONU que busca concluir a regulamentação do Acordo de Paris, publicou na manhã desta quarta-feira (10) uma nova proposta de texto para as negociações diplomáticas. As discussões estão marcadas para terminar na próxima sexta (12), mas já prometem se estender até o sábado (13).

"A COP26 exorta os países a acelerar a eliminação progressiva do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis", diz o texto proposto pela presidência da COP26, mas que ainda deve ser avaliado pelos negociadores de cada país.

Pessoas marcham com cartazes e velas na mão
Ativistas do clima durante marcha com velas em Glasgow nesta quarta (10), durante a COP26 - Paul Ellis/AFP

Segundo observadores das negociações, a convocação é histórica. Se for aprovada, será a primeira vez que a Convenção do Clima da ONU reconhece a necessidade de eliminação dos combustíveis fósseis como medida climática.

A proposta reconhece que o mundo deve limitar o aquecimento global em até 1,5ºC (enquanto o Acordo de Paris permitia uma janela até 2ºC).

O esboço também cita que os esforços para chegar nesse objetivo devem incluir soluções baseadas na natureza —o que aumenta o reconhecimento político do combate ao desmatamento como ferramenta para conter as mudanças climáticas.

Embora essa fonte de energia seja a principal emissora de gases-estufa no mundo, sua eliminação não aparecia como um imperativo nos textos das negociações. O Acordo de Paris abre a possibilidade de compensar as emissões, através de ações como o plantio de árvores —alternativa que viabiliza, pela via da compensação, a manutenção das fontes fósseis.

O rascunho feito pelo Reino Unido abarca itens que foram pedidos pelos diferentes blocos de negociação da COP. Os países ainda devem se manifestar em rodadas de consulta da presidência sobre o texto.

Uma das propostas incluídas no esboço veio do fórum de países mais vulneráveis ao clima: a criação de um ciclo anual de ambição climática. A intenção é providenciar um meio de registro de novos anúncios, que os países devem fazer anualmente, já que as metas anunciadas até agora estão longe do esforço necessário para conter o aquecimento global.

A proposta é vista com bons olhos pela presidência britânica, pelos países africanos, por ambientalistas e observadores das negociações. No entanto, é considerada impraticável por delegações de países emergentes —como China, Brasil, Índia e Rússia.

Segundo negociadores, a proposta não considera a inviabilidade da criação e implementação de políticas públicas em ritmo anual.

Embora os proponentes deixem claro que não pretendem rever anualmente as NDCs (sigla em inglês para as metas climáticas nacionais, chamadas de contribuições nacionais determinadas), a intenção dos ciclos anuais é convocar esforços extras, indo além do prometido.

Para observadores, os países já fazem isso com novos anúncios políticos nas COPs do Clima. Com a novidade, ganhariam apenas um meio de prestar contas e evitar anúncios enganosos. Negociadores respondem que a ideia ainda precisaria ser acordada e regulamentada —o que geraria mais atraso nas negociações.

Em entrevista à imprensa brasileira, observadores das negociações mostraram otimismo com a proposta de texto. Para Fernanda Carvalho, coordenadora de clima e energia do WWF, a presidência britânica foi hábil ao incluir no texto propostas ambiciosas. O desafio agora, segundo ela, será mantê-las no documento final.

As novidades estão concentradas na decisão que comunica a conclusão da COP26, abarcando temas importantes que estão fora da regulamentação de Paris, mas que precisam de esforços adicionais, como financiamento, aumento da ambição das metas climáticas, adaptação e perdas e danos.

Por outro lado, negociadores de diversos blocos ouvidos pela reportagem avaliam que o novo texto não traz avanços significativos para a regulamentação do Acordo de Paris.

O livro de regras de Paris está em negociação há cinco anos e ainda há três itens pendentes: transparência, marcos temporais comuns e artigo 6, que apresenta o mecanismo do mercado de carbono —permitindo a venda de créditos de emissões de gases-estufa a quem está aquém da sua meta climática e trazendo recursos financeiros para quem está contribuindo com a redução das emissões.

Assinado em 2015 e em vigor desde 2016, o acordo climático se baseia em metas climáticas criadas livremente por cada país, que decidem o quanto e em que ritmo podem contribuir para o objetivo de limitar o aquecimento global entre 1,5ºC e 2ºC. No entanto, o cumprimento do acordo depende da criação de regras técnicas comuns que permitam aos países fazer a prestação de contas sobre os progressos.

Considerado o principal desafio da regulamentação de Paris, o mercado de carbono conta com a pressão do setor privado. Embora o mundo já conte com mercados regionais, a criação de um enquadramento global para as regras do mercado deve aumentar a confiabilidade dos projetos negociados, aquecendo o mercado e aumentando o valor de ativos verdes.

Segundo especialistas que observam as negociações, o novo texto publicado nesta manhã não conseguiu destravar pontos importantes da regulamentação do artigo 6, que permanece em aberto.

Para negociadores, o nível técnico da diplomacia já esgotou a capacidade de conversa e só um acordo político pode resolver os impasses. Os ministros de Meio Ambiente já chefiam as delegações de cada país desde a última terça-feira. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, está de volta à COP26 nesta quarta-feira para ajudar a destravar os entendimentos.

Embora o Brasil tenha chegado à conferência com um discurso de flexibilização das posturas, observadores das salas de negociação afirmaram à reportagem que essas mudanças não foram observadas.

O Brasil continua sendo o Brasil, disse um negociador de um país desenvolvido, em referência à manutenção de posições clássicas sobre o artigo 6.

Já na negociação sobre transparência, a briga é bem dividida entre países em desenvolvimento e o bloco desenvolvido.

Enquanto os países ricos cobram um alto grau de detalhe sobre os esforços em redução de emissões, o bloco em desenvolvimento responde que os ricos também devem providenciar maior detalhamento sobre a responsabilidade de financiamento climático, já que respondem pela maior parte das emissões históricas que levaram o mundo ao cenário atual de mudanças climáticas.

Desde que a Convenção do Clima foi criada, em 1992, a divisão de responsabilidades pelas mudanças climáticas se tornou mais complexa, com a ascensão econômica dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Além de aumentarem suas emissões, sendo a China a maior emissora atual, esses países também ganharam condições econômicas de descarbonizar suas economias e manter a competitividade econômica.

Boa parte das discussões que se arrastam sobre financiamento busca uma solução intermediária entre as responsabilidades históricas e atuais.

Uma sugestão que apareceu na COP26 é a criação de um novo termo, "emissores de médio prazo", para se referir às economias emergentes. Ainda não há, porém, aceitação do bloco, que tem discutido financiamento junto ao amplo grupo dos países em desenvolvimento, o chamado "G-77 mais China", que abarca países com condições distintas de implementar as metas climáticas.

O bloco em desenvolvimento também acusa os países ricos de não terem cumprido promessas anteriores, como Protocolo de Kyoto e a promessa de financiamento de R$ 100 bilhões, o que aumentaria a desconfiança sobre promessas futuras pouco detalhadas, além de afetar a legitimidade de pedidos de aumento da ambição das metas climáticas.

A sinalização nos corredores da negociação é de um otimismo cuidadoso. Os países mostram disposição de encontrar soluções, mas elas ainda devem mudar de configuração diversas vezes nos próximos dias.

A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.

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