Conferência da ONU tenta colocar oceanos no centro da agenda climática

Na abertura do encontro, em Lisboa, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, classificou situação como de 'emergência'

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Lisboa

Embora cubram mais de 70% da superfície da Terra e tenham sido responsáveis por absorver 91% do aquecimento do planeta, os oceanos não costumam protagonizar os debates ambientais de alto nível. Realizada em Lisboa de 27 de junho a 1º de julho, a 2ª Conferência dos Oceanos da ONU tenta trazer as questões para o centro das discussões.

"Infelizmente, tomamos os oceanos como garantidos e hoje enfrentamos o que eu chamaria de ‘emergência nos oceanos’", afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura do encontro. "Temos de inverter a maré. Oceanos saudáveis e produtivos são vitais para o nosso futuro comum."

Duas pessoas seguram cartazes com os dizeres  "As the sea dies we die" e "No more fish in the sea"; no chão outras pessoas, fantasiadas como peixes, estão presas em redes e pedaços de lixo
Ativistas do grupo Ocean Rebellion em protesto no Terreiro do Paco, em Lisboa, nesta segunda (27), dia da abertura da Conferência dos Oceanos da ONU - Carlos Costa/AFP


A missão dos mais de 140 países com presença confirmada na conferência, no entanto, é complexa. Os oceanos sofrem hoje com uma série de problemas, como o despejo intensivo de resíduos sem tratamento, o acúmulo de plásticos e a sobrepesca.

Há ainda outras questões graves. De acordo com o último relatório sobre o clima da Organização Meteorológica Mundial, em 2021 a acidificação dos oceanos, o aumento do nível do mar e a concentração de gases-estufa atingiram níveis recordes.

"Os oceanos não têm estado na mesa de negociações, não têm estado nem nas prioridades políticas, nem nas prioridades econômicas", diz Tiago Pitta e Cunha, presidente da Fundação Oceano Azul, maior organização não governamental de Portugal na área de proteção marinha.

Segundo ele, após um período de discussões muito intensivas sobre os mares entre 1982 e 1994, devido sobretudo aos interesses econômicos e políticos das grandes potências, o tema passou praticamente à margem das últimas grandes negociações.

"Estes últimos 20 anos foram verdadeiramente perdidos para a causa dos oceanos em nível mundial", diz o presidente da Fundação Oceano Azul.

"No tratado mais importante dos primeiros 20 anos deste século, que é o Acordo de Paris para o clima, a palavra ‘oceanos’ aparece apenas uma vez no preâmbulo. Parece acrescentado à última hora", exemplifica ele, que relembra também o pouco espaço que o tema recebeu durante a conferência Rio+20, realizada em 2012.

Homem discurso em microfone; ao fundo um grande painel colorido, com desenhos que remetem a ondas
António Guterres, secretário-geral da ONU, em discurso da Conferência dos Oceanos nesta segunda-feira (27) em Lisboa - Carlos Costa/AFP

Diretora de conservação e políticas na Associação Natureza Portugal/WWF, Catarina Grilo considera que, desde a última Conferência do Clima da ONU, em 2021, o tema dos oceanos tem ganhado mais protagonismo.

"De fato, os oceanos têm sido pouco privilegiados na agenda climática, mas foi dado um passo importante na COP de Glasgow, quando houve o reconhecimento do papel dos oceanos na regulação do clima e de que precisamos de oceanos saudáveis para ter também o clima estável", avalia.

Embora as expectativas sejam altas, o documento final produzido pela conferência não deve ser um tratado vinculativo entre as nações. "Esta não é uma conferência para gerar acordos", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, José Gomes Cravinho, em apresentação oficial do encontro.

Ainda assim, a declaração final da conferência, que vem sendo negociada por diplomatas no âmbito das Nações Unidas há mais de um ano, deve apresentar propostas para um plano de ação futura.

Delegados da ONU, assim como representantes da sociedade civil, trabalham para garantir que as nações apresentem compromissos voluntários concretos para ações sobre os oceanos.

"A nossa expectativa é de que haja, por parte dos países, não só o anúncio de novos compromissos para os oceanos, mas também de ações em concreto para implementar aqueles compromissos que ficaram por cumprir desde a última Conferência dos Oceanos, em 2017", diz Catarina Grilo, da ANP/WWF.

Segundo ela, há expectativas elevadas para anúncios sobre processos de negociações que já estão em curso, como um tratado internacional sobre os plásticos e de proteção da biodiversidade em áreas além da jurisdição nacional.

Pessoas pintadas de azul, como sereias, estão enroladas em redes e pedaços de lixo em uma praia
Ativistas do movimento Ocean Rebellion durante performance no Terreiro do Paco, em Lisboa, nesta segunda (27) - Carlos Costa/AFP

"Há alguma expectativa também em relação aos países declararem moratória para mineração em mar profundo nas suas águas", completa.

Além das sessões plenárias, a conferência conta com mais de 250 eventos paralelos. Pelo menos 25 chefes de Estado e de governo e 113 ministros confirmaram presença no evento, que tem mais de mil organizações não governamentais credenciadas para participar.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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