Países concordam com criação de fundo para reparar danos climáticos

Mecanismo permite que nações mais vulneráveis recebam indenizações por catástrofes causadas pela crise do clima

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Sharm el-Sheikh (Egito)

Com a aproximação do final da COP27, a conferência do clima da ONU, os países estão prestes a assinar uma decisão histórica que estabelece um fundo internacional para reparação de perdas e danos climáticos.

A medida vai permitir que países mais vulneráveis possam ser indenizados por prejuízos causados pela crise do clima e que não podem mais ser remediados —é o caso, por exemplo, das enchentes que deixaram mais de 1.700 mortos no Paquistão em setembro.

O assunto era uma demanda antiga de países mais pobres e em desenvolvimento, mas tem sido evitado nos últimos 30 anos, em grande parte devido à oposição das nações mais ricas.

Globo terrestre no centro de convenções de Sharm el-Sheikh, no Egito, palco da COP27
Globo terrestre no centro de convenções de Sharm el-Sheikh, no Egito, palco da COP27 - Ahmad Gharabli/AFP

Neste sábado (19), porém, a União Europeia e os Estados Unidos sinalizaram que mudaram sua posição histórica e que apoiarão a criação do fundo. Como os dois eram os principais responsáveis por travar o avanço das negociações, a tendência agora é que a medida seja conquistada.

Para que isso aconteça, porém, ela precisa ser aprovada de maneira unânime pelos representantes de quase 200 países que estão há duas semanas reunidos no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh para a COP27.

O encontro deveria ter acabado na sexta (19), mas foi prolongado exatamente para permitir que as negociações fossem concluídas. A expectativa é que o acerto dos detalhes continue pela madrugada de domingo (20) em reuniões a portas fechadas.

Depois disso, os países devem realizar uma plenária na manhã (madrugada no Brasil) para dar a bênção definitiva ao texto. Até a conclusão desta reportagem, a previsão era abrir a reunião às 3h no Egito (22h no Brasil).

O atraso faz com que a COP termine sem boa parte dos representantes de países em desenvolvimento, que voltaram para casa.

Como a qualquer momento um país pode mudar de ideia e se opor ao acordo, é impossível saber com 100% de certeza se ele de fato será aprovado —mas a tendência é que isso aconteça.

O clima de otimismo deste sábado contrasta com a situação dos últimos dias, quando a aprovação do fundo parecia distante. O avanço aconteceu depois que propostas do bloco dos países ricos que eram criticadas pelos países em desenvolvimento foram retiradas do texto.

Uma das medidas mais polêmicas era que restringia o dinheiro do fundo de perdas e danos aos países mais vulneráveis —o que impediria que nações como Brasil e Paquistão tivessem acesso às verbas.

Assim, um novo texto foi proposto pela presidência egípcia da COP na tarde deste sábado e recebido com comemorações pelo G77 + China (bloco que reúne os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil), já que ele incorporava as principais demandas do grupo.

O texto ainda prevê que o fundo responda à Convenção do Clima da ONU. Isso é importante porque um de seus princípios é que os países têm "responsabilidades comuns, porém diferenciadas" sobre o clima. Em outras palavras, nações mais ricas —emissores históricos e principais causadores da crise climática— devem contribuir mais do que o resto com o financiamento para resolver o problema.

Um dos pontos que ainda precisam ser resolvidos, porém, é quem de fato vai pagar pelo novo fundo. A União Europeia tinha defendido anteriormente que os doadores refletissem a realidade atual —uma sinalização de que a China deveria contribuir. No rascunho atualmente em discussão, contudo, esse trecho não aparece.

Por outro lado, os países desenvolvidos ainda buscam conseguir garantias de que as economias emergentes vão se comprometer com redução de emissões e se livrar dos combustíveis fósseis. Esse é um dos pontos que ainda estão sendo negociados.

É possível, inclusive, que o texto deste ano não faça menção à redução do uso de combustíveis fósseis, que estava no acordo do ano passado. Uma sugestão sobre o incentivo à transição para energias renováveis, no entanto, foi bem aceita e deve permanecer no texto.

A União Europeia já tinha afirmado que esperava que, em troca da criação do novo fundo, os países em desenvolvimento apresentassem metas mais ambiciosas de redução de emissões.

Frans Timmermans, vice-presidente executivo da Comissão Europeia (o braço Executivo do bloco), disse neste sábado que o seu principal objetivo na negociação era "manter o 1,5°C vivo". Esse valor é considerado por especialistas como o teto para o aumento da média global de temperatura —acima dele, a previsão é de uma série de catástrofes climáticas.

No ritmo atual, a previsão é que o aumento seja quase o dobro dessa meta, ficando próximo de 2,8°C. Por isso, a pressão europeia pela redução das emissões, o que poderia ajudar a conter o aquecimento.

"Não há montante de dinheiro neste planeta para suprir a miséria que irá ocorrer por desastres naturais que já estamos vendo", disse Timmermans.

Os países em desenvolvimento, por outro lado, afirmam que não haverá mais compromisso em mitigação climática (basicamente, a redução das emissões de gases-estufa) sem que os mais ricos disponibilizem mais financiamento "verdadeiro" para a transição energética.

O adjetivo tem sido cada vez mais usado nas conversas, à medida que o bloco rico apresenta soluções como empréstimos ou créditos de carbono sob o título de financiamento climático —como exposto pelos EUA durante a atual conferência.

Negociadores de países africanos e de pequenas ilhas se mostram animados com a perspectiva inédita de receberem as indenizações e do reconhecimento do bloco desenvolvido sobre a responsabilidade por reparar perdas e danos climáticos.

Curiosamente, a possível decisão histórica chega após duas semanas com críticas que apontavam falta de liderança da presidência egípcia da COP27 —tradicionalmente o país-sede do evento funciona como o principal mediador das conversas.

O texto chegou a receber o apelido de "árvore de Natal" dos negociadores, já que todos os pedidos estavam sendo incluídos no rascunho. O novo fundo de perdas e danos, assim, pode ser o presente que os países mais vulneráveis esperam há anos.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations

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