Marina Silva volta a ser ministra do Meio Ambiente 15 anos após saída conturbada

Deputada eleita volta ao cargo no governo Lula e vai encontrar cenário distinto do que geriu nos anos 2000

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Manaus e Brasília

Marina Silva (Rede) voltará a ser ministra do Meio Ambiente, e de novo num governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quase 15 anos depois de uma conturbada saída do cargo e de um profundo desgaste com líderes do PT, partido que está na origem de sua militância política.

Como titular do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas (novo nome da pasta a partir de janeiro), Marina retomará o cargo que exerceu entre 2003 e 2008, durante todo o primeiro mandato e parte do segundo governo de Lula.

O cenário que ela vai encontrar, porém, é totalmente distinto, depois do desmonte da política ambiental promovido pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

Nascida num seringal no Acre, ex-empregada doméstica e historiadora, Marina tem 64 anos e ocupa cargos públicos há mais de 35 anos. Atuou com o líder seringueiro Chico Mendes e ajudou a fundar a CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Acre.

Marina e Lula sorriem e fazem um joinha
Marina Silva e Lula durante evento que anunciou ministérios, em Brasília, nesta quinta (29) - Pedro Ladeira/Folhapress

Já foi vereadora, deputada estadual e senadora. Agora, volta a ser ministra do Meio Ambiente para tentar fazer reexistir uma política ambiental no país.

O enfraquecimento da fiscalização nos últimos anos gerou um empoderamento do crime na Amazônia, com organizações criminosas articuladas e atuantes na exploração de ouro em terras indígenas, grilagem de terras e esquemas de madeira ilegal.

"No ministério, Marina terá a missão de ser ela mesma —a articuladora que se cercou de quadros técnicos e que soube usar sua influência política no passado para fazer avançar debates difíceis, como a meta de reduzir a taxa de desmatamento e a adoção de compromissos climáticos pelo Brasil. Porém, o país de 2023 é completamente diferente do de 2003, e a nova ministra também precisará ser distinta da Marina de duas décadas atrás para dar conta dos desafios", afirmou, em comunicado após o anúncio, o Observatório do Clima, rede que reúne dezenas de organizações socioambientais.

A mudança entre os dois períodos —o de 15 ou 20 anos atrás e o de agora— fica evidente quando se analisam os embates que a então ministra travava lá atrás e o que a espera a partir de 1º de janeiro de 2023.

Em 2008, quando se demitiu do ministério, Marina dizia sentir não ter mais respaldo de Lula e seu governo para a política ambiental empreendida. O estopim foi a decisão do presidente de escanteá-la na gestão do PAS (Plano Amazônia Sustentável).

A então ministra enxergou no gesto a confirmação de que Lula já não apoiava a contento as medidas de combate ao desmatamento na Amazônia. Marina foi quem articulou a criação de um plano de prevenção e controle do desmatamento, com efeitos concretos na queda dos índices de devastação.

A demissão foi ruidosa, com irritação do presidente e mágoa da ministra. No governo, os embates principais de Marina eram com Dilma Rousseff (PT), que foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil antes de ser eleita presidente em 2010.

Marina Silva - Mathilde Missioneiro - 21.nov.2022/Folhapress

A ministra do Meio Ambiente era tida como entrave para licenças ambientais a grandes obras de infraestrutura.

Quando foram concedidas as primeiras licenças para o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, Marina já não era ministra. A usina alterou por completo a vida na região do médio Xingu, no Pará, e saiu do papel no fim do governo Lula e no governo Dilma. Da política ambiental e energética de Lula e Dilma, nenhuma obra é tão criticada quanto Belo Monte.

Fora do PT, Marina seguiu se colocando como força antagônica a Dilma. Em 2010, a ex-ministra do Meio Ambiente decidiu se candidatar à Presidência da República pelo PV. Na disputa, firmou-se como uma viável terceira via e obteve 19,6 milhões de votos, ficando em terceiro lugar. Dilma, a candidata de Lula, foi eleita pela primeira vez.

As duas voltaram a se enfrentar na disputa presidencial em 2014, quando Marina estava no PSB —inicialmente vice de Eduardo Campos, ela assumiu a cabeça da chapa depois da morte do pernambucano.

No pleito, ela representou uma ameaça real à candidata do PT, um risco ao projeto de reeleição. Foi atacada pela campanha petista e acabou fora do segundo turno. De novo ficou em terceiro, com mais votos que na disputa anterior: 22,1 milhões.

O nível dos ataques distanciou ainda mais Marina de próceres do PT. Ela voltou a ser candidata à Presidência em 2018 (pela Rede, seu atual partido), mas murchou diante da onda bolsonarista. Recebeu pouco mais de 1 milhão de votos, ou 1%, a oitava mais votada.

O desmonte deliberado de políticas ambientais, como método de governo ao longo dos quatro anos do mandato de Bolsonaro, levou, porém, Marina a restabelecer pontes com antigas desavenças, como o próprio Lula –neste movimento não está incluída a ex-presidente Dilma.

A ex-ministra sabe que os cenários foram modificados radicalmente, tanto que disputou um mandato de deputada federal por São Paulo, e não por seu estado natal.

O Acre virou um reduto bolsonarista, assim como Rondônia e o sul do Amazonas. Essa região, chamada de Amacro, é hoje um dos principais arcos de desmatamento da Amazônia.

Marina foi eleita deputada e engajou-se na campanha de Lula e na transição de governo. Fez as pazes com o ex-presidente e pavimentou sua indicação ao Ministério do Meio Ambiente em meio a disputas com outros nomes cotados, como o da senadora Simone Tebet (MDB-MS) e o da ex-ministra Izabella Teixeira, que ocupou o cargo entre 2010 e 2016.

A futura ministra é a imagem mais conhecida do Brasil no circuito internacional quando os assuntos são meio ambiente e Amazônia. Na COP27 (conferência do clima da ONU) no Egito, em novembro, Marina já circulou como uma integrante do futuro governo Lula.

Após o anúncio que definiu o comando do ministério, nesta quinta (29), o KLP, maior fundo de pensão da Noruega, comemorou a escolha de Marina. À Folha, Arild Skedsmo, analista sênior do fundo, afirmou que Lula "tem feito questão de elevar os padrões da gestão ambiental e da proteção dos direitos dos povos indígenas".

"Esta foi uma notícia muito bem-vinda para os investidores que olham para o Brasil. Em breve Lula terá que entregar [resultados], e Marina Silva parece a pessoa certa para o desafio. Ambos têm experiência e credibilidade para construir a confiança dos investidores de que o Brasil passará por um momento decisivo em relação aos riscos ambientais", avaliou.

Ministério e autoridade climática

Marina explicou, logo após o anúncio oficial de que comandará a pasta, que, neste primeiro momento, o ministério contará com cinco secretarias, inclusive uma que será criada do zero, a Secretaria Extraordinária de Combate ao Desmatamento e do Ordenamento Florestal.

Por outro lado, a autoridade climática, uma sugestão de Marina ainda durante a campanha, não será criada antes de março. O adiamento se dá em razão da determinação do novo governo de que não sejam criados novos cargos em um primeiro momento.

"Ao todo serão cinco secretarias que já existiam, mas que tiveram modificações em suas estruturas para integrar novos temas, voltando inclusive a de mudanças climáticas [extinta no governo Bolsonaro]. E nós teremos ainda a autoridade climática, a partir de março", afirmou.

Segundo ela, os temas das cinco secretarias serão: combate ao desmatamento, bioeconomia e recursos genéticos, biodiversidade e defesa dos direitos animais, desenvolvimento sustentável e populações tradicionais.

"[A autoridade climática] foi apresentada à Casa Civil e vai ter um debate dentro do governo, para detalhar a proposta, pensar as competências disso, a estrutura. Necessariamente, como estrutura nova, ela tem que passar pelo Congresso Nacional. Então esses passos ainda serão dados pelo novo governo, ainda é uma proposta inicial, esses passos serão analisados", completou o futuro secretário de relações institucionais, Alexandre Padilha.

Marina ainda ressaltou que pretende que a política ambiental deixe de ser um tema setorial e passe a ser transversal no governo. Como exemplo disso, citou os novos órgãos anunciados para o Ministério de Segurança Pública e para CGU (Controladoria-Geral da União) e que devem atuar na proteção do meio ambiente.

Ressaltou, ainda, que pretende construir uma relação de diálogo com o futuro ministro Carlos Fávaro, que assumirá a Agricultura.

"É um desejo inclusive do agro. Temos uma agenda robusta para trabalharmos juntos. Não só com o agro, com educação, com os povos indígenas. O importante é ter esperança de que meio ambiente não é mais uma política setorial, que a gente vai tentar construir os processos juntos. [Antes] era sair enxugando gelo, agora a gente quer ter políticas públicas duradouras", afirmou ela.

"O que mais causa emissão [de carbono] no Brasil é o desmatamento, e essa será uma responsabilidade que não será só nossa, será de um conjunto de ministérios", afirmou.

Colaborou Ana Carolina Amaral, de São Paulo.

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