Cobras gigantes e humanos vivem relação complexa no mundo, mas ataques são raros

Presentes em praticamente todas as regiões tropicais, só foram registrados 8 casos fatais em 27 anos com grandes constritoras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

No dia 25 de novembro, um menino de cinco anos escapou de um ataque de uma píton de três metros na Austrália após o avô e o pai conseguirem liberar a criança do réptil. E, em outubro, uma mulher de 54 anos que estava desaparecida foi encontrada na barriga de uma píton reticulada (Python reticulatus), na Indonésia, com cerca de sete metros de comprimento.

Apesar de aparecerem no noticiário recente, porém, ataques de cobras gigantes a humanos são raros.

As serpentes conhecidas como grandes constritoras incluem as pítons, jiboias, sucuris e espécies relacionadas, algumas podendo chegar a dez metros de comprimento e até 200 kg quando adultas.

Cobra píton birmanesa
Cobra píton birmanesa (Python bivittatus) - gayleenfroese2/Pixabay

Elas se alimentam de presas com até 15% a 25% do seu peso total, incluindo mamíferos de médio porte, como porcos e bezerros, e matam por constrição —isto é, elas sufocam os animais lentamente e engolem as presas inteiras. Isso porque os ossos que formam o crânio e a mandíbula das serpentes são conectados por ligamentos elásticos que permitem a abertura da boca em até três vezes o diâmetro total do próprio animal.

Por isso, sua presença em alguns locais do mundo pode causar medo. As cobras gigantes são encontradas na Austrália, parte da Ásia (incluindo todo o sudeste asiático e a Indonésia), na África subsaariana e na América do Sul e Central. Mas, considerando a sua abundância, os casos de ataques fatais a humanos são incomuns —foram confirmados oito casos nos últimos 27 anos.

Sua ocorrência, contudo, choca bem mais do que outras estatísticas mais letais, como as 500 mortes em média atribuídas a hipopótamos a cada ano.

Como os humanos não fazem parte da dieta tradicional de cobras, os acidentes que ocorrem, segundo especialistas, são fortuitos, e em geral aumentam quando há perda de área florestada e dificuldade para os répteis encontrarem outras presas.

"Nós não somos parte da dieta, isso é absolutamente acidental. Não vou falar que não há relatos comprovados, mas em geral a gente vê só a barriga inflada. Se fosse considerar todas as histórias que são divulgadas, [os ataques] são muito mais raros", explica o biólogo-chefe do Projeto Selva Viva, em Taubaté (SP), Marcus Buononato.

Ele, que já trabalhou no Instituto Butantan, em São Paulo, lembra que os acidentes ocorrem quando há desconhecimento sobre a biologia e comportamento desses animais.

"Aquilo que é considerado pelos humanos como agressividade nos outros animais é simplesmente um mecanismo de defesa. Se tiver a oportunidade, a cobra vai se defender, e a maneira como faz isso é pelo bote", diz. "E, para elas, nós somos considerados predadores, e não o contrário."

Por serem animais noturnos, as serpentes também são mais guiadas pelo odor do que pela visão, mais um fator que exclui a "perseguição" por humanos como um comportamento inato desses répteis.

Dois homens negros seguram uma píton reticulada de quase 7 metros de comprimento morta. A cabeça da cobra está sendo segurada pelo homem da frente na foto
Uma píton reticulada de quase 7 metros de comprimento baleada por Kekek Aduanan, o homem à direita, em 9 de junho de 1970, em Luzon, Filipinas - J. Headland

"O que acontece com mais frequência é os humanos que vivem ali, por terem uma vida de trabalho na fazenda ou no campo, carregarem nas roupas e em suas casas o cheiro de outros animais, como porcos e animais de criação. Então as serpentes buscam pelo cheiro e acabam causando os acidentes em humanos", explica.

Além dessa atribuição errada de um comportamento de defesa do animal como um ataque premeditado, as relações entre humanos e serpentes em diversas partes do mundo evoluíram de forma muito mais complexa nas últimas dezenas de milhares de anos. Quem explica essa relação é o herpetólogo (especialista em répteis e anfíbios) Harry Greene, professor da Universidade de Austin (Texas).

Autor de um estudo de 2011 publicado na revista científica PNAS (Proceedings of the National American Society) que analisou as relações de presa, predador e de competição entre cobras e nativos caçadores-coletores das Filipinas, conhecidos como Agta (pronuncia-se "a-é-tá"), Greene afirma que, de 16 ataques em quatro décadas, só 6 foram fatais (quatro adultos e duas crianças).

Família de moradores das Filipinas com uma pele de uma cobra píton reticulada
Pele de uma píton reticulada que foi abatida por membros da etnia Aegta, nas Filipinas - J. Headland

Mais frequentemente, segundo o herpetólogo, são os humanos que se alimentam dos animais, e não o inverso.

"A predação com sucesso em humanos era muito mais rara, sendo muito mais comum ver casos de cobras gigantes que se alimentavam de presas também comidas por humanos e, com maior frequência, os humanos caçando as cobras para ou se alimentarem delas, ou usarem o couro", explica.

Não se sabe ao certo o que houve no acidente com a vítima na Indonésia, se ela foi atacada pela serpente ou se estava em um "local errado, na hora errada" —hipótese mais provável, segundo Greene.

"Como a maioria das víboras [serpentes venenosas], as jiboias e pítons procuram bons lugares para emboscar suas presas, usando seus órgãos quimiosensoriais [glândulas especiais nas escamas labiais que captam luz infravermelha]. Às vezes, na busca por alimentos, elas encontram presas [que podem ser humanas] e então matam e comem", diz.

Para Greene, é possível também que muitas cobras gigantes no passado se alimentassem de grandes primatas, incluindo hominídeos já extintos, mas isso era raro. "Era mais uma questão de oportunidade de encontro", afirma.

Como as populações antigas que habitavam as ilhas do Pacífico não ultrapassavam, em geral, 1,5 m de altura e cerca de 40 kg, não seria difícil para esses animais se alimentarem de humanos.

Buononato reforça ainda que a divulgação desses casos extremamente raros de maneira alarmista pode prejudicar a preservação dos animais. "O Brasil é um país enorme, com uma ampla área florestada e vários locais de ocorrência de sucuris e jiboias. Se tivesse uma frequência elevada desses ataques, teriam muitos registros oficiais, mas ninguém nunca consegue apresentar provas de uma morte por sucuri. Nós temos uma tendência também de sempre dar mais ênfase àquilo que é negativo", diz.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.