Descrição de chapéu Planeta em Transe África

Extinções em Madagascar podem levar até 23 milhões de anos para recuperação

Estudo revela impacto permanente na biodiversidade global com desaparecimento de mamíferos encontrados apenas na ilha

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São Paulo

Conhecida pela sua diversidade distinta, com animais como os lêmures e o menor camaleão do mundo, a fauna de Madagascar, uma ilha do continente africano distante cerca de 470 quilômetros da costa oriental, está ameaçada de extinção —e não é de agora.

Nos últimos 2.500 anos, desde a chegada do homem à ilha, pelo menos 30 espécies de mamíferos já sumiram e cerca de 130 estão ameaçadas de extinção.

Isso porque os impactos da atividade humana nas últimas décadas aceleraram a chamada taxa de extinção dos seres vivos e trazem consequências diretas no equilíbrio de espécies da fauna malgaxe.

Indivíduo do primata sifaka de Von der Decken (Propithecus deckenii) encontrado em Madagascar
Lêmure da espécie sifaka de Von der Decken (Propithecus deckenii) encontrado em Madagascar - Associação Vahatra

Caso nenhuma ação de preservação seja tomada, o curso natural de evolução das espécies levaria até 23 milhões de anos para conseguir recuperar essa diversidade, considerando os mamíferos não voadores da ilha (primatas, roedores, ouriços e outros), e cerca de 3 milhões de anos adicionais para os morcegos.

Esses são os principais achados de um estudo publicado nesta terça (10) no periódico científico Nature Communications.

Liderado pelo português Luis Valente, pesquisador do Centro Naturalis para a Biodiversidade e da Universidade de Groningen, ambos na Holanda, a pesquisa procurou entender qual o efeito já verificado da ação humana e as possíveis consequências futuras devido à degradação ambiental e caça na biodiversidade da ilha.

Para chegar a esses números, o estudo calculou o chamado tempo de retorno evolutivo (ERT, na sigla em inglês) necessário para recuperar as espécies já extintas nos últimos dois milênios —dois morcegos e 28 mamíferos não voadores— e aquelas ameaçadas de extinção segundo a Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza, na sigla em inglês), se nada for feito agora para impedir o seu desaparecimento.

A ilha conta atualmente com 249 espécies de mamíferos, sendo 43 morcegos, a maioria endêmica mas com algumas espécies colonizadoras, e 206 divididas nas demais famílias do grupo.

O tempo de retorno evolutivo cresce conforme mais espécies são acrescentadas à lista de ameaçadas —o número saltou de 110, em 2015, para 128, em 2021, última edição da avaliação. Em 2010, eram apenas 56 espécies consideradas criticamente ameaçadas.

No caso dos morcegos, a recuperação para o nível anterior à ocupação humana levaria 1,6 milhão de anos (intervalo de confiança, ou IC, de 1,2–2,2). Já para as espécies ameaçadas, segundo avaliação do órgão internacional, a recuperação poderia levar de 1,9 milhão a 2,9 milhões de anos (IC de 1,5–3,6).

Por outro lado, para os mamíferos não voadores, muitos dos quais possuem uma taxa de evolução mais lenta —e que não conseguem se deslocar facilmente da ilha para o continente por meio do voo—, o tempo de retorno estimado é maior, com 2,9 milhões de anos (IC de 2,3–3,6) para a condição pré-humana e de 7,1 milhões a 23,3 milhões de anos (IC de 5,6–28,3), para as espécies atualmente classificadas como ameaçadas pela IUCN.

Segundo Luis Valente, ainda que a recuperação nesse tempo não leve ao retorno das espécies já extintas, o estudo é único pois traz uma mensagem de ação. "A principal mensagem que gostaríamos de deixar é que ainda está em nossas mãos ‘salvar’ cerca de 20 milhões de anos de evolução, que realmente vale a pena proteger a natureza", disse, em entrevista à Folha.

"Qualquer perda de espécie tem um impacto em termos de tempo que é difícil até mesmo para um ser humano imaginar. Estamos destruindo uma história evolutiva única, que levou milhões de anos para evoluir, no espaço de apenas algumas décadas", afirmou.

O pesquisador lembra que as taxas de extinção natural (em geral muito lentas) e aquelas causadas pelo homem são distintas. Enquanto os morcegos foram praticamente exterminados das ilhas do Caribe e cerca de metade de todas as espécies de aves da Nova Zelândia desapareceu nos últimos 700 anos, Madagascar manteve uma taxa de extinção muito baixa.

"No entanto, nas últimas décadas, o oposto é verdadeiro: as ameaças se intensificaram muito mais rapidamente em Madagascar do que na maioria dos outros sistemas insulares", explica.

Como em outros sistemas insulares, Madagascar é considerado um hotspot de biodiversidade, isto é, a diversidade de espécies vegetais e animais encontradas lá não existe em nenhum outro lugar do mundo. Quase todas as espécies de mamíferos que habitam a ilha são exclusivas de lá.

"Mas, mesmo no caso dos morcegos, a taxa de extinção natural deles é elevada, e recuperar uma única espécie endêmica poderia levar mais tempo até do que recuperar a biodiversidade de mamíferos em outras ilhas", afirma.

Por isso o autor reforça que é fundamental agir agora para garantir a preservação das espécies já ameaçadas e eventualmente daquelas que ainda podem ser descobertas pela ciência.

"A extinção de mamíferos seguirá com a extinção de espécies vegetais e animais que delas dependem, e como consequência a perda de uma das mais importantes florestas tropicais remanescentes, com enormes implicações para o balanço de CO2. É uma fonte potencial de biodiversidade única", afirmou.

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