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Greta denuncia em novo livro encenação de enfrentamento à crise do clima

Apesar de balanço desanimador, obra escrita com autores convidados incentiva reação contra aquecimento global

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São Paulo

The Climate Book: The Facts and the Solutions

  • Preço US$ 18 (cerca de R$ 88; ebook; 464 págs.)
  • Autor Greta Thunberg
  • Editora Penguin Press

Pense num cubo com 10 km de aresta, mais alto que o monte Everest (8.849 m). Em seguida, empilhe 13 desses cubos na imaginação: eis a quantidade de gelo que desapareceu da face da Terra só de 1994 para cá. Preocupante?

Pelo visto, não. A reação diante do aquecimento global nem chega a ser de perplexidade, quanto mais da urgência necessária para tentar recompor a relativa estabilidade da atmosfera e do clima, nos últimos 10 mil anos, que trouxe a espécie humana até aqui.

"A verdade inconveniente é que estamos fazendo basicamente nada", denunciam Greta Thunberg e uma penca de coautores que ela mobilizou para compor "The Climate Book – The Facts and the Solutions", que vai ser lançado em julho no Brasil como "O Livro do Clima".

Greta usa um moletom verde e é vista por entre uma abertura, cercada de um espaço em preto
A ativista Greta Thunberg em evento paralelo ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça - Arnd Wiegmann - 19.jan.2023/Reuters

A jovem se fez acompanhar de militantes como ela, de lideranças indígenas como Sônia Guajajara e de especialistas como Carlos Nobre, para citar dois nomes do Brasil.

Não faltam celebridades nas 446 páginas. De Nicholas Stern a Michael Mann, de David Wallace-Wells a George Monbiot, de Thomas Piketty a Elizabeth Kolbert e de Margaret Atwood a Bill McKibben, sucedem-se os nomes reconhecíveis para quem não esteve cego para os rios de tinta que a injustiça climática tem feito escorrer.

Estão representados, também, nomes hoje menos conhecidos, mas que vão ganhando a devida atenção: Naomi Oreskes, Katharine Hayhoe, Zeke Hausfather, Stefan Rahmstorf, Saleemul Huq, Ayisha Siddiqa, Olúfémi O. Táiwò...

O volume está dividido em cinco grupos de artigos curtos: Como o Clima Funciona; Como Nosso Planeta Está Mudando; Como Isso nos Afeta; O que Fizemos a Respeito; e O que Precisamos Fazer Agora.

Capa de livro com as cores azul, branca e vermelha
Capa da edição britânica de "The Climate Book" (O Livro do Clima), assinado pela ativista Greta Thunberg e diversos autores convidados - Justin Tallis - 27.out.2022/AFP

A obra surge copiosa em dados para desanimar o mais incansável militante. A adolescente sueca que deu início em 2018 à greve de secundaristas pelo clima, movimento que se espalhou pelo mundo, teima que ainda há motivação para reagir.

"Não há tempo para desespero", prega o livro. "Nunca é tarde demais para começar a salvar tanto quanto for possível salvar." As evidências reunidas na obra, entretanto, parecem apontar no sentido oposto.

O volume capricha no esforço didático de convencer que a situação está feia. Um dos pontos que não conta com a devida atenção do público é a noção de orçamento de carbono, quantidade máxima de CO2 que atmosfera e oceanos podem receber sem sucumbirem a uma espiral de aquecimento que pode durar milênios.

Pois bem, 90% desse orçamento já foi gasto. Restam apenas 10% na poupança. Para ter uma chance em três de não ultrapassar 1,5ºC de aquecimento, como previsto oito anos atrás no Acordo de Paris, cada habitante da Terra poderia emitir no máximo 1 tonelada de CO2 por ano.

Cada brasileiro responde hoje por cerca de 2 t/ano. Não seria difícil cumprir a meta aqui, porque a maior parte das emissões nacionais vem do desmatamento, Amazônia e cerrado à frente. Em países ricos, porém, só uma mudança radical de estilo de vida permitiria isso, e não há sinal de reviravolta em vista.

Tente convencer um norte-americano médio a abrir mão de seus SUVs, os mais vendidos. Ou a aceitar um imposto sobre o carbono alto o bastante para que adotem carros elétricos e energia fotovoltaica em suas casas, deixem de viajar de avião e parem de comprar bugigangas fabricadas do outro lado do mundo.

Não haveria outra maneira de reduzir a emissão per capita nos EUA de 17 t/ano para 1 t/ano. O mesmo vale para o Canadá (15,4), a Austrália (14,9) e até a Suécia (9), pátria de Greta. Não haverá combate eficaz à crise climática sem virar de pernas para o ar o capitalismo fundado nos mitos de crescimento contínuo, consumismo desenfreado e recursos naturais infinitos.

O trunfo do livro liderado por Greta está em apontar a incongruência do discurso sobre contenção do aquecimento com a realidade pífia das medidas para mitigá-lo. Basta dizer que metade do orçamento de carbono foi despendido após a Rio-92, a Cúpula da Terra que deu a largada na encenação internacional ao adotar a Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. E as emissões continuaram crescendo.

Três décadas e 27 COPs depois, governos nacionais e setores dependentes de carbono (petróleo, indústria automobilística, aviação, agropecuária, navegação etc.) seguem empenhados em plantar exceções e brechas nos acordos internacionais. Defendem seu pirão imaginário enquanto a atmosfera vira farinha azeda.

Isso, claro, depois que os mal-denominados céticos (negacionistas) investiram décadas nas piores táticas da indústria do tabaco para plantar dúvidas sobre a ciência do clima. Quando a farsa ficou clara, mudaram de tática e passaram a transferir o ônus a indivíduos, como se reciclar materiais, andar de bicicleta e tornar-se vegetariano pudessem dar conta de tudo. Não darão.

A leitura da obra deixa evidente a enorme inércia do que Greta e seus colaboradores chamam de Grande Aceleração, no pós-guerra. "Entre 1945 e 2000, triplicou o número de pessoas no mundo", assinalam.

"No mesmo período o uso de água quadruplicou, a pesca marinha cresceu sete vezes e o consumo de fertilizantes, dez vezes." O progresso, como o conhecemos, é insustentável.

Mais até do que as chuvas torrenciais, secas severas e canículas mortíferas mais frequentes, preocupa a desestabilização de sistemas planetários como a camada de gelo sobre os oceanos Ártico e Antártico, a calota de gelo sobre a Groenlândia, o metano retido no permafrost (solo congelado) e no fundo do mar, o circuito de correntes marinhas no Atlântico e o colapso da floresta amazônica.

A deflagração desses feedbacks positivos, mecanismos que deslanchariam uma reação em cadeia de aquecimento, nem precisa acontecer para muita gente sofrer. Enquanto uma pessoa nascida em 1960 corria o risco de enfrentar quatro ondas de calor insuportável na vida, seus netos nascidos a partir de 2020 podem contar com no mínimo 18 delas —mesmo que se cumpra a meta parisiense de 1,5ºC.

Não está fácil manter o otimismo diante do panorama traçado no livro de Greta & cia. Sua leitura equivale a mergulhar num caldeirão de água já fervendo, sem passar pela tepidez que deu ao lendário batráquio a chance de se acostumar —nossa única opção é fazer algo para tentar escapar, começando por buscar informação fora dos grupos de zap.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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