Descrição de chapéu indígenas marco temporal

Cacique Raoni e lideranças indígenas pedem posição do Estado brasileiro sobre marco temporal

Manifesto de representantes de 54 povos indígenas também quer anulação de negociações acerca de mercado de carbono

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São Paulo

Um manifesto de autoria do cacique Raoni Metuktire, referência da luta por direitos dos povos originários e pelo meio ambiente, e de representantes de 54 povos indígenas de todo o país pede que o Estado brasileiro emita uma posição concreta a respeito do marco temporal.

A tese, na prática, restringe a demarcação das terras indígenas ao afirmar que o processo deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição, em outubro de 1988. O tema está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal e no Congresso, sob forte pressão de ruralistas, que têm interesse na adoção do entendimento.

O documento foi divulgado nesta sexta-feira (28), marcando o encerramento do evento O Chamado do Cacique Raoni, que reuniu indígenas de todo o país ao longo da semana, no Parque Indígena do Xingu.

Cacique Raoni discursa em evento indígena
Cacique Raoni discursa durante o evento O Chamado do Cacique Raoni, na aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto Jarina (MT), na última terça-feira (25) - Lucas Ramos/Ipam/Divulgação

O texto afirma que o marco temporal desconsidera a realidade histórica e cultural dos povos originários, além de violar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

"[A tese] ignora nossa memória e história por ações de colonizadores, latifundiários e empreendimentos econômicos de deslocamentos forçados, violências, massacres e expulsões vividos em nossos territórios tradicionais, o que resultou em perdas irreparáveis para nossas culturas e modo de vida", diz.

O comunicado aponta, ainda, que a aprovação do marco temporal abriria precedentes para a invasão e exploração das terras indígenas "por interesses econômicos que afetam não apenas nós."

Um estudo recente do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) estima que a adoção da tese pode fazer com que 230 mil km² a 550 mil km² de áreas nativas sejam desmatadas na Amazônia Legal. Isso levaria à emissão até 18,7 bilhões de toneladas de CO2 (gás carbônico) –o que equivale, atualmente, ao emitido pelo Brasil ao longo de 14 anos.

A análise considerou 385 terras indígenas cuja homologação foi assinada após a Constituição de 1988.

No manifesto, as lideranças reunidas na aldeia Piaraçu –localizada na Terra Indígena Capoto Jarina, no município de São José do Xingu (MT), dentro do território kayapó– também fazem outras exigências aos três Poderes.

Entre elas, querem que seja assegurado aos povos indígenas o entendimento sobre o que é o mercado de carbono no Brasil e os impactos aos seus territórios.

"As atuais negociações existentes no mercado de carbono devem ser anuladas, pois não respeitam a especificidade e os direitos dos povos indígenas e a biodiversidade de seus territórios", pede o texto.

Aponta, ainda, que deve ser garantida a participação dos povos de todos os biomas brasileiros "na construção de uma legislação justa, obedecendo nossos direitos originários, constitucionais e internacionais".

O tema ganhou visibilidade recentemente, após uma série de contratos feitos por empresas de crédito de carbono baseados em terras indígenas serem contestados pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e pelo Ministério Público Federal.

Outras exigências são a demarcação de terras indígenas; a desintrusão de terras já homologadas; e o respeito à consulta prévia, livre e informada sobre empreendimentos que afetem territórios indígenas.

O texto também pede a destruição de garimpos em terras indígenas e o acesso a tratamento de saúde para indígenas expostos ao mercúrio; a punição de arrendatários que tenham práticas agrícolas em terras indígenas; o fortalecimento de órgãos indígenas governamentais e a designação aos indígenas de florestas públicas não destinadas.

Os autores do documento dizem esperar uma resposta do Estado brasileiro até o dia 9 de agosto, quando é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas.

A presença do presidente Lula (PT) e outras autoridades de primeiro escalão, como a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança Climática), eram esperadas no evento promovido por Raoni, mas não haviam comparecido até a manhã desta sexta (28).

Marina precisou ir para a Índia, para acompanhar o grupo de trabalho de Meio Ambiente do G20. Já a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, deve chegar à aldeia Piaraçu para o dia de encerramento do evento. A presidente da Funai, Joenia Wapichana, está participando das atividades.

Em vídeo divulgado na última quarta (26), Lula foi cobrado nominalmente por Raoni a comparecer ao evento.

"Lula, meu amigo, conversei com você pessoalmente e convidei você em Brasília para comparecer a esse encontro. Ouça-me, aqui já estão todas as lideranças aguardando a sua chegada, eu peço que venha logo para que possamos conversar com todos", disse. "Você me disse que conversaríamos sobre as terras que não foram demarcadas, eu não esqueci disso".

Sentado em meio a lideranças indígenas, cacique Raoni fala em microfone
Cacique Raoni Metuktire faz chamado para que o presidente Lula (PT) compareça a evento na aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto Jarina (MT). - Reprodução/Instituto Raoni

No mesmo dia em que o vídeo foi divulgado, Lula passou por um procedimento médico devido às dores que tem enfrentado por uma artrose no fêmur direito. Na agenda oficial desta sexta, constam apenas compromissos no Palácio da Alvorada.

O cacique Raoni foi um dos escolhidos para subir a rampa do Planalto ao lado de Lula no dia da sua posse, em 1º de janeiro, ao lado de outros sete representantes do povo brasileiro.

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