Problemas com água em Bangladesh indicam o que pode acontecer no resto do mundo

País está na linha de frente da mudança climática; suas estratégias de enfrentamento podem oferecer lições para outros lugares

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Somini Sengupta
Shyamnagar (Bangladesh) | The New York Times

Bangladesh é uma terra de água. Seus rios carregados de sedimentos descem céleres do Himalaia e se derramam num labirinto filigranado de lagoas, pântanos e afluentes até desembocar na negra e tempestuosa baía de Bengala.

Hoje sua ameaça mais profunda é a água, em suas muitas encarnações terríveis: seca, dilúvio, ciclones, água salgada. Todas são agravadas em diferentes graus pela mudança climática, e todas estão forçando milhões de pessoas a fazer o que podem para ficar à tona.

Isso tem importância para o resto do mundo, porque aquilo que enfrentam hoje os 170 milhões de habitantes deste país de delta, densamente povoado, é o que muitos de nós vamos enfrentar amanhã.

Trabalhadores em um jardim de vegetais em Satkhira, sudoeste de Bangladesh, parte da área da floresta de Sundarbans
Trabalhadores em um jardim de vegetais em Satkhira, sudoeste de Bangladesh, parte da área da floresta de Sundarbans - Fabeha Monir/NYT

Os bengaleses correm para colher o arroz assim que são avisados de chuvas fortes rio acima. Eles constroem canteiros flutuantes de jacintos de água para cultivar vegetais fora do alcance das enchentes. Nos locais onde os viveiros de camarão deixaram o solo salgado demais para cultivar plantações, eles plantam quiabos e tomates não no solo, mas em composto colocado nas caixas de plástico que antes continham camarões. Nas áreas onda a própria terra está sendo levada embora pela água, as pessoas têm que se mudar para outras aldeias e cidades. E, nos locais onde falta água potável, os bengaleses estão aprendendo a beber cada gota de chuva.

Saber Hossain Chowdhury, um parlamentar do partido governista e enviado climático do primeiro-ministro, disse que os esforços de seu país são como tentar tampar um barril furado. "É como quando você tem um barril que está vazando de sete lugares, mas você só tem duas mãos", ele disse. "O que você faz? Não é fácil."

Bangladesh vem conseguindo salvar vidas durante ciclones e inundações. Mas há uma multidão de outros desafios a serem enfrentados, e todos ao mesmo tempo: encontrar novas fontes de água potável para milhões de pessoas no litoral, ampliar o seguro das plantações, preparar as cidades para receber o fluxo inevitável de migrantes da zona rural, e até mesmo cultivar boas relações com países vizinhos para compartilhar dados meteorológicos com eles.

Tudo isso com pouca ajuda dos países ricos do mundo. Em lugares como o Bangladesh há uma frustração crescente com o fato de os países ricos não terem reposto os recursos necessários aos países em desenvolvimento para adaptar-se aos perigos que já enfrentam. Esse é um tema da cúpula de finanças climáticas promovida esta semana em Paris.

Entre os 64 distritos de Bangladesh, metade é considerada vulnerável à mudança climática.

Roças flutuantes e um futuro salgado

O que fazer quando o nível dos rios sobe e a água cobre suas plantações?

Se você é Shakti Kirtanya, cultiva suas plantações sobre a água. Se o nível da água sobe, elas também sobem. Elas boiam sobre a água. "Se você vir a colheita, ela encherá seu coração de alegria", ele disse.

Kirtanya aprendeu essa técnica agrícola com seu pai, que a aprendeu com o pai dele. Ela é praticada há 200 anos em seu distrito de baixa altitude, Gopalganj, onde a terra costuma passar metade do ano inundada.

Agora, pelo fato de a mudança climática estar levando o risco de inundação para muitas outras áreas, as roças flutuantes de Gopanganj estão se espalhando. Nos últimos cinco anos o governo vem dando suporte a roças flutuantes em 24 dos 64 distritos do país.

Kirtanya usa o que ele tem. Ele corta os caules dos jacintos de água no lago próximo à sua casa, deixa a pilha de plantas cozinhar debaixo do sol e a molda para formar sementeiras compridas e largas sobre a água. Ele semeia melancia e amaranto no verão, repolho e couve-flor no inverno. A horta é uma fonte de renda e, para sua família, uma fonte de vegetais frescos cultivados sem agrotóxicos.

"Se as chuvas chegarem antes da hora ou atrasarem, isso não afeta minha horta", disse Kirtanya. "O calor tampouco a prejudica."

Há uma ameaça iminente, porém. A água do mar está vindo mais para o interior. Isso é em parte devido à elevação do nível do mar, que eleva as marés. É em parte porque os rios foram represados rio acima, de modo que não há água doce suficiente fluindo para baixo. É em parte pela extração excessiva de água subterrânea.

No ano passado, Kirtanya teve um vislumbre de um futuro salgado. As folhas ficaram vermelhas. As plantas ficaram fragilizadas.

Tanques instalados para acondicionar água da chuva em uma escola de Mongla, uma forma encontrada para evitar a água salinizada dos canais
Tanques instalados para acondicionar água da chuva em uma escola de Mongla, uma forma encontrada para evitar a água salinizada dos canais - Fabeha Monir - 17.mai.22/NYT

Capturando a chuva

Sheela Biswas encara a crise da salinidade diariamente. O sal se infiltrou nos canais e lagos dos quais seu vilarejo obtém sua água de beber e para se lavar. Estimados 30 milhões de pessoas que vivem no litoral enfrentam o problema da penetração da água salgada, em graus diversos. A área onde Biswas vive é uma das mais fortemente afetadas.

Não era assim quando ela chegou a essa região, 30 anos atrás, como recém-casada. Naquela época, as pessoas comiam arroz que cultivavam em suas próprias terras. Bebiam água que colhiam de suas lagoas.

Então chegou o chamado "ouro branco": o camarão. As criações de camarão se espalharam. As pessoas deixaram entrar água salgada por um canal do rio, de modo que a água salgada também se espalhou. A lagoa de Biswas ficou salgada demais para ser potável.

Primeiro ela contratou uma carroça para comprar água. Depois recorreu a um vizinho que havia construído um tanque subterrâneo para colher água da chuva. Biswas inventou seu próprio sistema de coleta da água das chuvas, usando os materiais que tinha em casa. Ela usou canos plásticos para canalizar a água da chuva de seu telhado de zinco; depois ela era peneirada por uma rede de pesca e finalmente guardada em recipientes de barro. Ela ainda tinha que se banhar na lagoa salobra, algo que provocou uma irritação na pele, uma queixa comum na região. Os médicos dizem que os índices de hipertensão também são altos. Desconfiam que seus pacientes ingerem sal em excesso, sem querer.

A solução mais recente ao problema de Biswas chegou na forma de uma caixa d’água de plástico rosa choque com capacidade para 2.000 litros, com um filtro em cima. A caixa d’água fica no quintal de sua casa para colher a água das chuvas das monções. É uma entre 4.000 recipientes semelhantes distribuídos nos últimos três anos por uma organização de desenvolvimento, Brac, que dá assistência à população carente.

Para Chowdhury, o parlamentar, se as emissões globais não diminuírem muito e em pouco tempo, há pouca coisa que o Bangladesh poderá fazer para ficar acima da superfície. "Nada que fizermos será o bastante", ele disse.

Tradução de Clara Allain

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