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Nova lei de agrotóxicos pode envenenar o mundo

Brasil é protagonista na exportação agrícola, e preocupação deveria ser global

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Em carta publicada na revista Science, cientistas brasileiros alertam para mais uma lei controversa. Recentemente, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que flexibiliza a atual legislação de agrotóxicos.

Sob o argumento de que o registro de novos produtos é um processo moroso, o PL propõe mudanças na avaliação e na autorização de novos agrotóxicos, excluindo o Ibama e a Anvisa do processo de decisão final. Algo ainda mais preocupante é que as substâncias previamente banidas poderão ser reavaliadas sob essas novas regras. Ou seja, a lei segue a tendência do atual governo brasileiro de enfraquecer a legislação ambiental, priorizando o setor produtivo em detrimento do meio ambiente e da saúde pública do país.

PROJETO PANTANAL - TRATADA
Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai - Lalo de Almeida - 6.mar.21/Folhapress

Só em 2021, o governo federal autorizou o uso de 562 novos agrotóxicos no país, muitos deles importados da Europa e da América do Norte. Vários deles têm seu uso proibido nos países onde são produzidos, mas as empresas continuam exportando para lugares com legislação mais permissiva, como o Brasil.

O uso indiscriminado de agrotóxicos sem a devida avaliação é uma questão de saúde pública. Na última década, de acordo com pesquisas, as intoxicações e mortes relacionadas ao envenenamento por agrotóxicos aumentaram 94% no país. Em casos de exposição contínua, eles podem se acumular no organismo, causando inflamações crônicas e doenças autoimunes. Esses compostos também podem passar ao longo da cadeia alimentar e são encontrados até mesmo no leite materno.

Muitos agrotóxicos permanecem na água e no solo por muito tempo, além de serem carregados pelo ar, o que aumenta o seu potencial de contaminação. Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, mostram que, neste ano, foi detectada em mais de 2.300 cidades brasileiras água "potável" contaminada por agrotóxicos. São 27 substâncias persistentes ao tratamento convencional da água e, quando combinadas, atingem 99% do valor máximo tolerado pela legislação brasileira, que é 2.706 vezes o limite dos países europeus.

Se a água pós-tratamento está contaminada, aquela presente nos corpos hídricos está continuamente. Isso compromete o funcionamento de ecossistemas, a conservação da biodiversidade e, consequentemente, a segurança hídrica.

O uso indiscriminado de agrotóxicos também pode causar sérios problemas para a biodiversidade, afetando serviços ecossistêmicos essenciais para a vida dos seres humanos. Alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos são inseticidas fatais para abelhas, por exemplo.

No Brasil, as abelhas estão associadas a 132 cultivos diferentes, sendo polinizadores exclusivos de 74 deles. É estimado que o valor do serviço ecossistêmico de polinização para a produção de alimentos no país gira em torno de R$ 43 bilhões anuais. Por isso, a redução das populações de abelhas, além de ter um impacto negativo para a biodiversidade, pode levar a prejuízos econômicos para o setor agrícola.

Os pesquisadores ainda alertam que a aprovação do projeto de lei deveria ser uma preocupação global, pois o Brasil é um dos líderes na exportação de culturas agrícolas —a exemplo da soja, que é destinada a diversos países para alimentar a produção animal.

Apesar das justificativas de aumento de produtividade para o uso intensivo de agrotóxicos, existem soluções que já são bem conhecidas para aumentar a produtividade, como a agroecologia. Inclusive um projeto de lei alternativo (PL 6.670/2016) poderia iniciar um programa nacional de redução de pesticidas no Brasil.

O fortalecimento das agências ambientais e o investimento em ciência e tecnologia, especialmente baseado em espécies e produtos nacionais, são medidas necessárias para atingirmos o desenvolvimento sustentável no agronegócio brasileiro.

Laís Carneiro
Engenheira ambiental

Larissa Faria
Mestre em ecologia e conservação

Natali Miiller
Bióloga

André Cavalcante
Engenheiro ambiental

Afonso Murata
Professor do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade (UFPR)

Jean Vitule
Professor do Departamento de Engenharia Ambiental (UFPR)

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