Geração Z enfrenta mudanças climáticas com TikTok e ações judiciais

Com processos em 5 estados, vídeos que misturam humor com indignação e passeatas nas ruas, movimento quer influenciar as eleições

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David Gelles
The New York Times

Kaliko Teruya estava voltando para casa de uma aula de dança tradicional havaiana no dia 8 de agosto quando seu pai lhe telefonou. Disse que o apartamento da família em Lahaina, na ilha havaiana de Maui, estava destruído e que ele estava correndo para se salvar.

Ele estava tentando escapar do incêndio mais letal em mais de um século nos Estados Unidos, um inferno atiçado por ventos fortes de um furacão distante e contra o qual as fracas defesas públicas contra desastres naturais praticamente não surtiram efeito.

O pai dela sobreviveu. Mas para Kaliko, que tem 13 anos, a destruição vivida reforçou seu engajamento com uma causa que está começando a definir sua geração.

Retrato de jovem sentada na beira de uma praia com o mar ao fundo
Kaliko Teruya, 13, uma das jovens americanas que têm se engajado em movimentos contra as mudanças climáticas, posa na praia de Honokowai, no Maui, no Havaí - Bryan Anselm/The New York Times

"O incêndio foi tremendamente agravado pela mudança climática", ela disse. "Quantos mais desastres naturais vão ter que acontecer até que os adultos entendam a urgência disso?"

Como um número crescente de crianças e jovens, Kaliko está engajada em esforços para conscientizar as pessoas sobre o aquecimento global e para reduzir as emissões de gases-estufa. Tanto assim que no ano passado ela e 13 outras crianças e jovens, de 9 a 18 anos, moveram uma ação na justiça contra o Estado onde vivem, o Havaí, por seu uso de combustíveis fósseis.

Com ações judiciais ativas em cinco estados, vídeos do TikTok que misturam humor com indignação, além de passeatas nas ruas, é um movimento que quer influenciar a política e as eleições e alterar uma narrativa que, segundo seus proponentes, frequentemente demais destaca as catástrofes climáticas em vez de ressaltar a necessidade de tornar o planeta mais limpo e sadio.

Os ativistas climáticos jovens dos Estados Unidos ainda não tiveram o mesmo impacto público que seus colegas na Europa, onde Greta Thunberg mobilizou toda uma geração. Mas, neste verão de temperaturas recordes, incêndios que espalham fumaça sufocante e furacões, os adolescentes americanos e os jovens de 20 e poucos anos preocupados com o planeta estão sendo cada vez mais levados a sério.

"Vemos o que está acontecendo com a mudança climática e como isso afeta todo o resto", disse Elise Joshi, 21, diretora executiva da Gen-Z for Change, organização na qual ingressou quando estava na faculdade. "Sentimos um misto de raiva e medo. E finalmente estamos canalizando esse sentimento para que se converta em esperança, na forma de ação coletiva."

A frustração crescente dos eleitores jovens com a agenda climática da administração Biden é um fator que terá efeito imprevisível na eleição presidencial de 2024. Eles estão especialmente revoltados com o fato de que o presidente Joe Biden, que durante sua campanha prometeu "não haverá mais perfurações em terras federais, e ponto final", está descumprindo essa promessa.

Jovens estão ajudando a organizar uma marcha climática programada para Nova York em setembro, durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas. E sua força está sendo sentida mesmo em Estados profundamente republicanos como o Montana, onde uma juíza entregou ao movimento sua maior vitória até agora, decidindo em favor de 16 jovens que processaram o Estado por seu apoio à indústria dos combustíveis fósseis.

No processo, uma disputa prolongada acabou com uma vitória inesperada que significa que, pelo menos por enquanto, o Estado será obrigado a levar em conta os potenciais danos climáticos quando aprova novos projetos energéticos.

"O fato de adolescentes terem lançado essa ação é incrível", comentou Badge Busse, 15, um dos querelantes no processo de Montana. "Mas é triste que tenha ficado por nossa conta fazer isso. Nós somos a última instância."

Esse misto de orgulho e exasperação não é incomum entre os jovens ativistas climáticos. Muitos deles estão energizados com o que encaram como a luta mais importante de sua vida, mas também estão irados porque os adultos não enfrentaram seriamente um problema que já é entendido claramente há décadas.

"Vocês acham realmente que eu queria estar em um tribunal dizendo ‘não tenho futuro’?", comentou Messina DiGrazia Roberts, 16, outra das querelantes no processo movido no Havaí. Ela vive em Oahu.

"Sou uma garota de 16 anos. Tudo o que eu quero é viver minha vida, sair com meus amigos e comer comida boa. Eu não queria estar fazendo nada disso. Mas estou, porque me preocupo com este mundo. Me preocupo com a Terra e com minha família. Me preocupo com meus futuros filhos."

Há um esforço em todo o movimento para combater o "niilismo climático" —a aceitação fatalista de que não há nada que consiga frear o aquecimento global crescente. Os jovens ativistas dizem que esse sentimento, encapsulado na frase "OK Doomer" (ok, fatalista), contribui para retardar o progresso.

Converter em ação positiva o medo e a frustração sentidos por tantos jovens é o objetivo principal de Wanjiku Gatheru, 24 anos, que fundou uma organização chamada Black Girl Environmentalist (garota negra ambientalista) que está tentando levar mais jovens não brancos a se envolver com o movimento.

"O medo não motiva as pessoas a iniciar ações sustentáveis", disse Gatheru. "Oferecer soluções no meio da discussão de um problema ajuda a fazer as pessoas se engajar."

O entusiasmo pelo movimento climático está se difundindo de maneiras surpreendentes. Um grupo de jovens otimistas tecno que rejeitam o "doomerism" (a visão de que tudo vai acabar mal de qualquer maneira, logo, não há nada que se possa fazer) abraçou o nome "Decarb Bros." (irmãos da descarbonização).

E, entre os republicanos, os millennials e membros da geração Z são muito mais propensos que os mais velhos a acreditar que os humanos estão aquecendo o planeta e a apoiar esforços para reduzir emissões, segundo o Centro Pew de Pesquisas. De acordo com o Pew, cerca de 62% dos eleitores jovens são a favor do abandono progressivo e total dos combustíveis fósseis.

Em Maui, Kaliko e sua família estavam tentando recuperar-se do segundo desastre natural em cinco anos. Em 2018 uma inundação imprevista provocada pelo furacão Olivia destruiu a casa deles na ponta norte da ilha. Agora foi o incêndio.

"Precisamos realmente que os adultos despertem para a realidade", ela falou. "Se a gente não resolver isso agora, não haverá futuro."

Tradução de Clara Allain

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