Workshop sobre clima vira encontro disputado em bar brasileiro em Paris

Mais de 1 milhão de pessoas já participaram do evento, conhecido como Climate Fresk

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Constant Méheut
Paris | The New York Times

Numa noite recente de verão no centro de Paris, algumas pessoas foram a um bar brasileiro da moda onde a música era bossa nova, passaram por fregueses tomando caipirinhas e subiram uma escada de madeira nos fundos. Foram dar em uma salinha com uma mesa sobre a qual estavam dispostos grandes cartões impressos com gráficos explicando a ciência por trás da mudança climática.

Um rapaz os recebeu dizendo "sejam bem-vindos. Vamos nos divertir."

Nas três horas seguintes, o grupo usou os cartões para recriar a cadeia do aquecimento global, tentando entender fenômenos como forçamento radiativo e acidificação oceânica. Depois disso discutiram sobre a possibilidade de limitar viagens aéreas, que consomem muita energia, e o desenvolvimento de energia nuclear.

Participantes do Climate Fresk, workshop que ensina sobre aquecimento global e mudanças climáticas, em um café de Paris, no dia 6 de junho - Dmitry Kostyukov/The New York Times

O grupo estava participando do "Climate Fresk", workshop organizado por uma ONG do mesmo nome que ensina os aspectos básicos do aquecimento global e destaca possíveis soluções. Os workshops viraram uma alternativa descolada para uma noite fora; mais de 1 milhão de pessoas já participaram deles na França.

Os workshops Climate Fresk, cujo nome vem do cartaz que os participantes criam com os cartões, estão ganhando popularidade no momento em que a Europa enfrenta verões mais quentes ligados à mudança climática.

Desde que os Climate Fresks começaram, em 2018, eles vêm ganhando adesão crescente entre o público e organizações privadas que querem incentivar as pessoas a entrar em ação a favor do ambiente. A França se comprometeu a reduzir suas emissões de carbono e cortar resíduos drasticamente. Grandes universidades, empresas e até mesmo alguns departamentos governamentais estão enviando cada vez mais estudantes, trabalhadores e funcionários públicos para os workshops.

Os workshops já estão chegando a outros países. Foram traduzidos para cerca de 50 línguas, e mais ou menos 200 mil pessoas fora da França já participaram, incluindo nos Estados Unidos.

Alguns ativistas verdes e peritos ambientais criticam os workshops por não ir longe o suficiente e não questionar as decisões políticas e econômicas que aceleram a mudança climática.

Cédric Ringenbach, criador do Climate Fresk, disse que o workshop enfoca a ciência por trás da mudança climática e deixa que os participantes formem suas próprias opiniões.

"Não é o cartaz que vai desafiar o paradigma político-econômico", ele disse, "são os próprios participantes que chegam a essas conclusões. Nós estamos aqui para abrir o caminho."

O workshop é baseado em relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), um organismo da ONU. Ele utiliza 42 cartões que representam as diversas etapas da mudança climática, desde o uso de combustíveis fósseis até o derretimento de geleiras. Com a ajuda de um facilitador, os participantes devem dispor os cartões sobre uma grande folha de papel de modo a representar as causas e consequências da mudança climática.

"Não é fácil", disse Ariane Prin, que participou do workshop no bar brasileiro, olhando para um cartão sobre gases estufa pouco conhecidos que aquecem o planeta.

Em volta dela, participantes debatiam o processo de disrupção do ciclo da água, com preocupação estampada em seus rostos enquanto posicionavam cartões que mostravam imagens desoladoras de enchentes e secas. Eles desenharam setas entre os cartões para ilustrar as ligações entre desmatamento e emissões de dióxido de carbono. Intitularam seu cartaz "O Mapa da Consciência".

"Diante deste mapa, nós nos sentimos tão pequenos", falou Prin. "Mas também nos sentimos empoderados, porque já aprendemos muito."

A popularidade dos workshops Climate Fresk ecoa um interesse crescente na França em compreender as alterações ambientais que afetam o país, quer sejam os incêndios descontrolados no sul ou a elevação do nível do mar que está provocando a erosão das praias na Normandia. O livro mais vendido na França no ano passado foi uma HQ sobre a crise climática, "Le Monde Sans Fin" (o mundo sem fim), que vendeu mais de 500 mil exemplares.

Vários participantes disseram que o workshop os levou a entrar em ação, fazendo coisas como reduzir seu consumo de carne, uma fonte importante de emissões de gases estufa, e fazer lobby junto a seus empregadores para que instituam práticas mais ecológicas.

O workshop Climate Fresk cresceu tão rapidamente também graças à sua relativa facilidade e acessibilidade: os gabaritos para a produção dos cartões estão disponíveis gratuitamente online, e a formação para tornar-se facilitador leva apenas algumas horas.

O interesse pelos workshops tem sido tão grande que eles agora fazem parte dos cursos introdutórios de várias universidades francesas de elite e são promovidos em grandes empresas como o banco BNP Paribas. O governo francês estuda a possibilidade de incluir o workshop em um plano para, até o final de 2024, ensinar os 25 mil funcionários públicos de mais alto nível do país sobre a transição verde.

Claire Landais, secretária-geral do governo, disse que ensinar seus colegas funcionários do governo sobre a questão climática é de importância maior porque serão eles que vão colocar as políticas climáticas em prática. Ela passou por um treinamento inicial no ano passado que incluiu o Climate Fresk, que ela descreveu como um workshop "muito fértil e denso".

Ringenbach disse que seu objetivo é "alcançar o triângulo vencedor" —cidadãos, empresários e políticos—para ganhar impulso suficiente para acelerar a luta contra a mudança climática.

Mapa produzido pelos participantes de workshop - Dmitry Kostyukov/The New York Times

Críticos alertam que o workshop pode ser usado por empresas para fazer "greenwashing" –ou seja, como uma maneira fácil de alegar que se preocupam com a mudança climática, sem na realidade fazer muita coisa para lidar com ela.

O BNP Paribas, por exemplo, se gaba de já ter usado o workshop para treinar milhares de funcionários, mas, segundo relatório de 2022 de organizações não governamentais, ainda é um dos maiores financiadores mundiais de projetos de combustíveis fósseis.

"O Climate Fresk virou uma maneira um pouco simplista de abordar essas questões ambientais", disse Eric Guilyardi, climatologista e presidente da organização ligada à ONU Escritório para a Educação Climática, que promove a educação climática em escolas pelo mundo afora.

"É como dizer ‘ok, tenho consciência do problema, já fiz minha parte’", ele explicou.

Stéphane Lambert, responsável pelo desenvolvimento do Climate Fresk no BNP Paribas, disse que as acusações são infundadas, argumentando que o workshop ajudou os planos do governo para se afastar dos combustíveis fósseis. O BNP Paribas disse em maio que até 2030 vai reduzir em 80% seu financiamento da exploração e produção de petróleo.

Quando o workshop no bar brasileiro em Paris chegou ao fim, os participantes se reuniram para uma foto. Posicionaram-se atrás de seu cartaz colorido coberto de desenhos que expressam esperança e medo: florestas verdejantes e casas inundadas, mares repletos de peixes e um tornado.

"Devemos sorrir?", perguntou Prin. "Ou chorar?"

Tradução de Clara Allain

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