Como a guerra Israel-Hamas ameaça ações contra o aquecimento global

Conflito tende a aumentar preços do petróleo e gás e direcionar recursos para a guerra, em detrimento de projetos contra crise do clima

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Somini Sengupta Jim Tankersley
The New York Times

Os esforços globais para enfrentar as mudanças climáticas já estão obscurecidos pela amargura e desconfiança entre os países.

Agora, um redemoinho crescente de conflito no Oriente Médio ameaça fraturar um mundo já dividido, aumentar os preços do petróleo e gás em um momento de inflação global persistentemente alta e direcionar recursos financeiros para a guerra, em vez de desacelerar as mudanças climáticas.

O fato de que os confrontos entre Israel e Hamas estão ocorrendo em uma região rica em energia amplia o risco. Os países tendem a querer garantir seus suprimentos de petróleo e gás em vez de fazerem a transição para fontes de energia alternativas, mesmo após o verão mais quente já registrado no hemisfério norte.

Até agora, os vencedores são os produtores de armas e, em menor grau, de petróleo. As ações relacionadas a defesa aumentaram. Os preços do petróleo subiram ligeiramente. Os ecos históricos são arrepiantes, 50 anos após o embargo árabe de petróleo que abalou os mercados de energia. Esse episódio foi provocado pela guerra árabe-israelense de 1973.

Fumaça sai de chaminé em grandes equipamentos; há uma montanha ao fundo, de aparência desértica
Campo de extração de gás no norte do Golfo Pérsico, no Irã - Raheb Homavandi - 19.nov.2015/Tima/Reuters

Tudo isso torna a próxima rodada de negociações climáticas —agendada para o final de novembro nos Emirados Árabes Unidos, um estado petroleiro do Golfo Pérsico— ainda mais complicada.

As próximas semanas serão cruciais. Se o conflito se espalhar pelo Oriente Médio, provavelmente irá destruir as esperanças de alcançar um acordo global sobre qualquer outra coisa, incluindo a crise compartilhada do clima.

"Este é um teste fundamental para saber se as nações podem isolar a diplomacia climática das crises imediatas", disse Comfort Ero, presidente do International Crisis Group, uma organização de pesquisa.

Os líderes dos Emirados Árabes Unidos, que continuam a expandir a produção de petróleo e gás, enfrentam um desafio particularmente difícil. Eles são responsáveis por unir os países nas negociações climáticas, ao mesmo tempo em que é esperado que defendam a causa dos palestinos no Conselho de Segurança da ONU, onde ocupam um assento rotativo este ano.

Risco: Fraturas na cooperação crescem

O conflito eclodiu em um momento de muitas crises em um mundo profundamente dividido. Ele ocorre após uma pandemia e em meio a uma guerra na Ucrânia que tem afetado as economias, levado os países a uma maior dívida, aumentado os preços de alimentos e combustíveis e agravado a fome entre algumas das pessoas mais pobres do mundo.

"Qualquer aumento nas tensões geopolíticas, qualquer fragmentação do multilateralismo, potencialmente tornará mais difícil o progresso significativo na cooperação", disse Tim Benton, diretor do Centro de Meio Ambiente e Sociedade da Chatham House, organização de pesquisa sediada em Londres.

As tensões entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores economias do mundo e também os dois maiores emissores de gases de efeito estufa que aquecem o planeta, já se refletiram na política climática. Após a invasão russa da Ucrânia, Moscou e Pequim fortaleceram seus laços.

Ao mesmo tempo, a Índia está comprando petróleo com desconto da Rússia, e a Rússia está cortejando países na África e no Oriente Médio.

Entre as nações menos ricas do mundo, as queixas estão se acumulando devido à falha do Ocidente em compartilhar o acesso às vacinas contra a Covid-19 e fornecer ajuda financeira suficiente para ajudar os países pobres a lidar com os riscos climáticos.

Risco: A inflação piora

A economia global continua lenta, e um aumento nos preços do petróleo poderia complicar ainda mais os esforços dos bancos centrais para controlar a inflação.

Os funcionários do governo Biden estão particularmente nervosos com o petróleo. Até agora, tem sido evitado um grande choque de oferta, mas é possível que ele ocorra se o conflito se espalhar para o Irã ou outros grandes produtores de petróleo próximos.

Mesmo uma perda temporária no fornecimento de petróleo poderia fazer os preços da gasolina dispararem novamente nos Estados Unidos, minando o apoio dos eleitores ao presidente Joe Biden e deixando-o mais vulnerável aos republicanos que têm atacado sua agenda climática.

Autoridades americanas estão preocupadas que essa erosão supere quaisquer ganhos climáticos de um período temporário de preços altos do petróleo, como a gasolina a US$ 5 (R$ 25) o galão, o que poderia incentivar mais pessoas a comprar carros elétricos.

Se um choque do petróleo aumentar ainda mais as taxas de juros globais, isso tornará mais difícil atrair investimentos para projetos de energia renovável, especialmente em mercados emergentes e países em desenvolvimento, onde o custo de capital já é muito mais alto do que nos Estados Unidos e na Europa.

Além disso, até mesmo países ricos terão maior dificuldade em investir dinheiro público na transição de suas economias para longe dos combustíveis fósseis.

Risco: O dinheiro deixa de circular

Os países ricos haviam prometido fornecer US$ 100 bilhões por ano até 2020 para ajudar os países de baixa renda a se adaptarem aos riscos climáticos e aumentarem a energia renovável. Até agora, eles não cumpriram essa promessa. A raiva e a frustração estão aumentando entre os potenciais beneficiários.

Mesmo US$ 100 bilhões seriam uma gota no oceano. Se o mundo quiser atingir a meta de manter a elevação da temperatura média global em 1,5°C até o final do século, em comparação com o período pré-industrial, estima-se que sejam necessários US$ 4,5 trilhões por ano em investimentos em energia renovável até 2030, de acordo com a Agência Internacional de Energia.

Para os defensores de energia renovável, isso faz sentido não apenas para desacelerar o aquecimento global, mas também para garantir a segurança energética.

O conflito atual no Oriente Médio "deve ser também um lembrete contundente de que a transição para soluções de energia limpa mais rápidas beneficia não apenas a equação climática, mas também a segurança energética", disse Jason Bordoff, que lidera o Centro de Política Energética Global da Universidade Columbia.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.