Licença de petróleo na Foz do Amazonas prevê impacto em 8 países e Petrobras diz buscar atingidos

Modelagens afirmam que óleo não tocaria costa brasileira, o que é contestado por outros estudos; Ibama afirma que há margens de erro e limitações da ferramenta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Manaus

Documentos do processo de licenciamento para exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas apontam a possibilidade de impacto de óleo na costa de oito países, além de dois territórios da França, em caso de vazamentos. Para tentar destravar a licença, a Petrobras, responsável pelo empreendimento, diz ter feito reuniões com autoridades de cinco desses locais em 2022 e em 2023, inclusive com missões in loco neste ano.

Modelagens e simulações feitas mostram que, se houver um vazamento, o óleo pode chegar a Barbados, Granada, Guiana, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago e Venezuela, além de Guiana Francesa e Martinica (ambos territórios franceses).

A dispersão do óleo ocorreria rumo às ilhas do Caribe, em razão das correntes marítimas, sem previsão de toque na costa brasileira, conforme consta em modelagens feitas em 2015 e 2022. Estudos científicos contestam essa previsão de que não haveria impacto no território brasileiro.

Vista aérea de um rio na margem da floresta
Parque Nacional do Cabo Orange, no norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, em foto de 2016 - Victor Moriyama/Greenpeace

Desde 2013, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apontam uma necessidade de "intensa articulação dentro do Estado brasileiro e com os países potencialmente afetados pelos empreendimentos".

"A necessária articulação internacional para fins de cooperação para contingência a vazamentos pode ter reflexos nos prazos do licenciamento ambiental", cita um parecer de 2013, elaborado por grupo técnico com integrantes do ministério e do Ibama. "Sugere-se o início da articulação com o Ministério das Relações Exteriores o mais cedo possível no processo de planejamento do setor."

Depois do parecer, as modelagens feitas sobre piores cenários apontaram o impacto de petróleo rumo às ilhas do Caribe, em caso de vazamentos.

O MPF (Ministério Público Federal) no Amapá —o poço almejado pela Petrobras está a 179 km da costa do estado— recomendou, em 2018, que houvesse consulta prévia a países potencialmente atingidos por efeitos do empreendimento. O Itamaraty acatou a recomendação, segundo a Procuradoria da República no Amapá.

A Folha questionou o Ministério das Relações Exteriores sobre o que a pasta fez a respeito. Não houve resposta.

Em nota, a Petrobras disse que houve articulação com o ministério e que fez reuniões com autoridades de Barbados, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e Trinidad e Tobago. O objetivo foi "preparar eventual resposta offshore transfronteiriça em caso de incidente com derramamento de óleo no mar durante a campanha exploratória no poço FZA-M-59".

Houve ainda reunião com dirigentes da Agência Caribenha de Gestão de Emergências em Desastres (CDEMA, na sigla em inglês), segundo a Petrobras. A agência é intergovernamental e reúne diferentes países da região.

As reuniões ocorreram em 2022 e em 2023, conforme a estatal. Em 2023, foram feitas missões a Barbados, Suriname e Trinidad e Tobago, afirmou a Petrobras.

"Nessas reuniões, a Petrobras informou às autoridades de cada país sobre a campanha exploratória planejada para o poço e sobre as modelagens de trajetória da mancha de óleo em caso de incidente com derramamento no mar offshore", cita a nota. "A Petrobras também apresentou os recursos de contingência previstos, entre embarcações, aeronaves, equipamentos e pessoal especializado."

O Ibama disse, em nota, ter conhecimento de reuniões com representantes de Guiana, Guiana Francesa, Suriname e com "agentes dos países mais rapidamente atingidos por um possível vazamento de óleo transfronteiriço". A Petrobras informou articulação feita com o Itamaraty, segundo o órgão ambiental.

"Como o Ibama não participou dessas reuniões, não tem maiores detalhes sobre as discussões", afirmou na nota. "Seu papel como órgão licenciador é avaliar se as medidas apresentadas e articulações realizadas são satisfatórias." O estabelecimento de acordos internacionais prévios sobre o tema não é uma condicionante para o andamento do processo, conforme o órgão federal.

Em maio, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, acompanhou parecer técnico do órgão e negou licença para a Petrobras perfurar a bacia Foz do Amazonas. Faltavam estudos que comprovassem que a exploração de petróleo não terá impacto ambiental, segundo o Ibama.

"Não se trata de um licenciamento ambiental trivial", afirmou Agostinho, que citou em sua decisão o parecer técnico de 2013 com sugestão de "início da articulação com o Ministério das Relações Exteriores o mais cedo possível".

A estatal insiste na obtenção da licença. Depois da negativa, uma forte pressão política dentro do governo passou a ser encabeçada pela Petrobras, que prevê o início da exploração em 2024, e pelo Ministério de Minas e Energia. A ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) é o alvo central da pressão.

O presidente Lula (PT) é favorável à exploração de petróleo na bacia e rejeitou encampar uma proposta da Colômbia, feita pelo presidente Gustavo Petro, para que os países amazônicos interrompam novos projetos do tipo na região. O Brasil já indicou que levará adiante a exploração de petróleo na Amazônia.

A área da Foz do Amazonas é de alta sensibilidade ambiental, como o Ibama aponta desde 2014. A região tem correntes muito fortes e movimentos de marés extremamente amplos, segundo o órgão, o que poderia limitar ou impedir estratégias de combate a eventual derramamento de óleo.

O Rima (relatório de impacto ambiental), de 2017, aponta a existência de recifes "de grande importância ecológica, econômica e social, por serem ricos em recursos naturais e estoques pesqueiros".

O relatório, elaborado pela BP Energy do Brasil, responsável pelo projeto de perfuração antes de a Petrobras assumir o empreendimento, cita uma "alta sensibilidade de impacto" no caso de mamíferos, tartarugas, peixes, aves e atividade pesqueira artesanal.

Sobre a previsão de que eventual vazamento não impactaria a costa brasileira, o Ibama considera que "as bases e modelos hidrodinâmicos evoluíram ao longo da tramitação do processo de licenciamento, em que pese ainda haver margens de erro e limitações da ferramenta".

A Petrobras disse que contratou empresa de referência mundial e que essa empresa utilizou sistemas modernos para modelos e projeções sobre eventual dispersão de óleo no mar, seguindo exigências do termo de referência do Ibama.

"Foram realizadas duas modelagens (2015 e 2022) e os resultados indicam que não há probabilidade de toque na costa brasileira, sendo remotíssima a probabilidade de toque de óleo na costa de outros países. Ambas as modelagens foram aprovadas pelo Ibama. O parecer do Ibama também validou que o plano da Petrobras para resposta à emergência é robusto", afirmou a estatal.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.