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João Farkas

Fotógrafo expõe paisagem de litoral que Petrobras quer explorar

João Farkas narra e mostra imagens de expedições à margem equatorial, que pode sofrer impacto de exploração petrolífera

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Fotografia do projeto 'Costa Norte', de João Farkas Divulgação

João Farkas

Fotógrafo, documentarista e editor. Autor, entre outros livros de fotografia, de "Trancoso", "Amazônia Ocupada", "Pantanal", "Um Olhar Sobre Goiás" e "Caretas de Maragojipe". Dirigiu os documentários "São Paulo, Cidade Segregada" e "O Homem que Salvou a Terra"

[RESUMO] Fotógrafo escreve que as transformações vertiginosas em curso no litoral entre o Amapá e o Rio Grande do Norte motivaram seu mais recente projeto, "Costa Norte", que ganha primeira exposição e será editado em livro. O ensaio desperta interesse imediato em razão do debate sobre a exploração de petróleo na região em que se localiza a foz do Amazonas, denominada margem equatorial.

Após terminar e publicar o trabalho de cinco anos no Pantanal brasileiro, me debrucei sobre os mapas daquela costa: 2.200 quilômetros entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. Mais por intuição que pelas referências disponíveis, me pareceu que a região precisava ser documentada antes que a sanha da ocupação desordenada a transformasse.

Ali estavam o delta do Parnaíba, a foz do Amazonas, o Marajó, centenas de quilômetros de dunas e manguezais, as inacessíveis reentrâncias maranhenses e o cenário onde a Amazônia e Atlântico se encontram. Um projeto pretensioso, mas de dimensões equivalentes à sua relevância.

Entrada do porto de Santana, no Amapá, parte do projeto 'Costa Norte', de João Farkas - Divulgação

O maior desafio em meus projetos foi sempre logístico: como chegar e trabalhar em locais mais inacessíveis ou pouco conhecidos sem o orçamento patrocinado por grandes publicações e instituições.

Na costa norte, ao longo de três anos e seis expedições, foram dezenas de horas de voo debruçado em pequenos aviões sem porta, outras dezenas de horas em voadeiras, travessias em 4x4, noites e noites em pequenas pousadas, jornadas de 12, 14 horas sob o impacto das visões mais deslumbrantes e desconhecidas.

Os desafios incluem chegar em uma região com poucas referências, encontrar um piloto disposto a pousar em uma acanhadíssima pista como a de Afuá, usada como parque de exercícios pela população, um barqueiro que nos levasse aos currais de pesca mais distantes em Bitupitá, um motorista que aceitasse rodar pelas praias e dunas, e combater a poeira fina capaz de se infiltrar entre a câmera e a lente com o vento violento em voo. (Graças à fotografia digital, acabou-se a limitação dos filmes fotográficos, o que me permitiu produzir mais de 20 mil imagens). Os pontos de apoio principais foram as cidades grandes: Parnaíba, São Luís, Belém, Macapá e, na etapa seguinte, Fortaleza.

Bem jovem, fui testemunha da deterioração do litoral do Sudeste, onde nasci e vivi. Na década de 1980, documentei por dez anos a saga da ocupação da Amazônia após a descoberta de ouro em Serra Pelada. Nessa mesma época, registrei extensivamente a vida em Trancoso, idílica vila de pescadores, hoje completamente transformada pelo turismo intenso e a ocupação imobiliária.

O pano de fundo do meu trabalho sempre esteve ligado a um profundo amor pela natureza e pelo povo brasileiro, cuja alma e criatividade me fascinam. Tanto na Amazônia quanto em Trancoso, eu não tinha noção exata do uso que aquele material fotográfico poderia ter. Tinha apenas a convicção avassaladora da urgência. Era preciso registrar o que via, mesmo que fosse para a história, mesmo que fosse impossível deter a transformação vertiginosa da paisagem ou da cultura —tarefa similar a dos pioneiros fotógrafos do início do século 20.

Mas, hoje, existe outro desafio de ordem estética. Enquanto na década de 1980 o registro documental já bastava como ponto de partida para informar, sensibilizar e alertar, hoje o olhar público se tornou mais apurado, seletivo, blasé. O registro fotográfico perdeu sua aura pela abundância. Praticamente tudo já foi visto e fotografado. Então, como fazer imagens de natureza capazes de despertar interesse e mobilizar atenção?

O caminho ficou claro durante o trabalho no Pantanal: buscar imagens muito inesperadas, surpreendentes, capazes de tirar o espectador do lugar confortável do já visto.

Precipitá-lo janela afora na vertical, fotografar nas situações mais adversas de luz, incorporando reflexos, reduzindo as baixas luzes ao negro absoluto, aceitando contrastes extremos, procurando ocorrências de cor, textura e composição aparentemente indecifráveis, flertando com o abstrato, mesmo que sempre deixando pistas de que aquilo é real ou está lá. Pistas essas que fizeram o curador apelidar a série de "mínima semântica".

Acima de tudo, era fundamental uma entrega quase apaixonada pela paisagem, pela flora, pelos animais, pelas pessoas, deixando que cada região me persuadisse com suas peculiaridades e penetrasse não apenas em minhas retinas, mas pelas narinas, pela pele, pelos sabores.

Ouvir as conversas, entender motivos, me fascinando por cada realidade, aprendendo com o olhar dos pássaros e dos pilotos. Viver e absorver para ser capaz de retratar temperando tudo com inefável dose de beleza —um instrumento já quase revolucionário, uma vez que abandonado como fora de moda.

Aprendi, nessas décadas rodando o Brasil e, especialmente, na Amazônia, que os gabinetes de Brasília e os teóricos estão muito distantes das realidades locais e ainda mais distantes de políticas que contemplem oportunidades e problemas regionais. Um exemplo disso observei agora na foz do Amazonas: a moda do consumo do açaí mundo afora fez muito mais pelos ribeirinhos do que cinco séculos de políticas governamentais.

O aumento da procura pela polpa praticamente triplicou o seu preço, tornando bem-remunerado o trabalho do peconheiro (quem colhe os cachos dos frutos). Agora, ribeirinhos voltam aos igarapés abandonando o subemprego nas vilas e nas cidades. Espera-se que não aconteça o mesmo que ocorreu com a seringa, contrabandeada e cultivada na Ásia, enquanto os seringais nativos minguavam.

A revelação recente da magnitude da província petrolífera na costa norte, chamada de margem equatorial pelos geógrafos (onde se calcula que existam mais de 30 bilhões de barris de óleo), acendeu acalorado debate e mostrou que foi útil a ideia de iniciar este projeto há três anos.

Os defensores da conservação, justamente desconfiados do contumaz descaso governamental com o ambiente, sabem que, provavelmente, o histórico de negligência se repetirá. Os desenvolvimentistas entendem que a janela de oportunidade do petróleo está se esgotando e que uma nação pobre não deveria jogar fora esta riqueza.

Na recente viagem ao Amapá e ao norte do Marajó, não encontrei ninguém que fosse contra a exploração do petróleo (os poços ficam a 170 km da costa). É obvio que há opositores, mas os argumentos que ouvi são que a Petrobras tem enorme competência para fazer a extração de forma cuidadosa e que, com o tempo, o valor do óleo será mínimo. Teme-se que a riqueza advinda da exploração jamais chegue às populações locais, se perdendo nos descaminhos tradicionais.

É fundamental lembrar que, entre o Oiapoque e o Marajó, está uma das mais ricas áreas pesqueiras do país e também que a costa norte abriga manguezais fundamentais à preservação da riqueza e da diversidade marinha.

Mais uma vez, imaginei que meu trabalho poderia ser útil àqueles que, nos próximos séculos, se debruçarem sobre o estudo do passado ambiental. Não podia imaginar que o registro dessa região ganharia interesse imediato tão rapidamente.

De Curimã ao arquipélago do Bailique, todos os dias o cenário natural é modificado irremediavelmente. Os efeitos do Antropoceno são avassaladores. Esperamos que não sejam trágicos para a espécie humana.

Projeto Costa Norte na SP-Arte Rotas Brasileiras

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