Pagamento de compensação ambiental por bloco da Petrobras na Foz do Amazonas se arrasta há 9 anos

Houve acidente em perfuração em área onde estatal tenta nova exploração; empresa diz que deve assinar termo em janeiro

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Manaus

A Petrobras protela o pagamento de uma compensação ambiental por tentativa de exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas, mais especificamente em um bloco onde um acidente resultou em danos em equipamentos e em vazamento de óleo hidráulico. O processo já se arrasta há nove anos.

O bloco está próximo do atual poço que a estatal quer explorar a partir de 2024, na mesma bacia Foz do Amazonas. A Petrobras e o governo Lula (PT) vêm pressionando o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para concessão de licença ao empreendimento. A licença para o chamado bloco 59 foi inicialmente negada em maio, e a estatal recorre.

A ofensiva do governo para exploração de petróleo em área de influência na região amazônica contraria tentativas de eliminação de novos projetos na Amazônia —Lula rejeitou uma proposta da Colômbia nesse sentido— e de diminuição de uso de combustíveis fósseis para atingimento de metas relacionadas às mudanças climáticas.

A informação sobre a inexistência de depósito da compensação ambiental, gerada a partir de um projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, foi confirmada à Folha pelo Ibama e pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Em nota, a Petrobras afirmou que só recebeu em setembro de 2023 a minuta final do termo de compromisso relacionado à compensação ambiental. São os órgãos ambientais federais que definem valor e destino dos recursos, conforme a estatal. "A assinatura do termo com o gestor da unidade contemplada deve ocorrer até janeiro", disse.

Vista aérea de um rio na margem da floresta
Parque Nacional do Cabo Orange, no norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, em foto de 2016 - Victor Moriyama/Greenpeace

Segundo dados públicos da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o projeto foi abandonado de vez em 2016.

O acidente ocorreu em dezembro de 2011, durante atividade de perfuração no bloco, como consta em documentos do Ibama e do MPF (Ministério Público Federal) no Amapá.

O bloco fica a 126 km da costa, cita um documento do órgão ambiental. A cidade mais próxima é Oiapoque (AP). Outros documentos apontam uma distância de 110 km.

No caso do atual bloco que a Petrobras quer explorar, e que gera divergências com a área ambiental do governo Lula, a distância para a costa é de 160 km a 179 km, a depender do documento analisado, também no rumo de Oiapoque.

O episódio envolvendo o primeiro bloco levou a Petrobras a abandonar o poço perfurado "depois que as fortes correntes da região causaram um acidente que culminou com perda de posição da sonda SS-52", aponta um parecer técnico do Ibama.

Um equipamento só pôde ser recolhido quatro dias depois, "devido às fortes correntezas que impediram o trabalho da equipe". "De acordo com a Petrobras, o acidente provocou um pequeno vazamento de óleo hidráulico."

O MPF no Amapá instaurou um inquérito sobre o acidente e disse que o episódio gerou a obrigação do pagamento de uma compensação ambiental no valor de R$ 170.758,00. O dinheiro deve ser revertido ao ICMBio, mais especificamente ao Parque Nacional do Cabo Orange, uma importante e delicada área de conservação de mangues e campos inundáveis, na região de Oiapoque.

Segundo o ICMBio, o dinheiro não está relacionado ao acidente, mas ao processo de licenciamento em si. A legislação prevê que, em casos de empreendimentos com significativo impacto ambiental, deve haver apoio a implantação e manutenção de unidades de conservação, dentro dos processos de licenciamento.

O dinheiro referente à perfuração em bloco na bacia Foz do Amazonas deve ser usado na revisão do plano de manejo do Parque Nacional do Cabo Orange, segundo ICMBio e Ibama.

O processo referente a essa compensação é de 2014, conforme o ICMBio. Até agora, não houve assinatura do termo de compromisso por parte da Petrobras nem depósito do dinheiro, afirmaram os dois órgãos federais em nota à reportagem.

O valor foi atualizado para R$ 280.867,18, e houve aceitação de acordo pela estatal, segundo o ICMBio.

"O Parque Nacional do Cabo Orange não sofreu impactos do acidente mencionado", disse o ICMBio. "Incidentes como o ocorrido são considerados no processo de avaliação de riscos ambientais que integra o processo de licenciamento", afirmou o Ibama.

A Petrobras, por sua vez, disse que a compensação ambiental não tem relação com o acidente ocorrido, sendo "decorrente da mera implantação do empreendimento".

"O que houve foi uma perda de posição da sonda devido a condições ambientais adversas, o que ocasionou dificuldades operacionais para concluir a perfuração do poço", cita a nota da estatal. "O poço permaneceu em condição absolutamente segura a todo momento e não houve qualquer dano ao meio ambiente ou acidentes com pessoas."

A sonda escolhida para o bloco 59, que a empresa quer explorar em 2024, é de última geração e conta com tecnologias mais modernas, afirmou a Petrobras.

O acidente em 2011 é citado em pareceres do Ibama relacionados ao novo bloco almejado pela Petrobras, como indicativo da complexidade e dos riscos de uma atividade de grande porte na região.

"Embora a estrutura de resposta apresentada pela empresa atenda de forma conceitual às normativas brasileiras vigentes, é fato que existem diversas peculiaridades e incertezas inerentes à região que podem dificultar um combate efetivo a um acidente com a atividade", afirmou o Ibama num parecer técnico de abril de 2023.

Modelagens feitas em 2015 e em 2022, apresentadas no processo de licença que segue em curso no Ibama, dizem que não há previsão de toque de óleo na costa brasileira em caso de vazamento de petróleo. Estudos científicos contestam essa previsão de que não haveria impacto no território brasileiro.

Reportagem publicada pela Folha em 11 de novembro mostrou que essas modelagens apontam possibilidade de impacto de óleo na costa de oito países e dois territórios da França, em caso de vazamentos: Barbados, Granada, Guiana, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago e Venezuela, além de Guiana Francesa e Martinica (ambos territórios franceses).

Para tentar destravar a licença, a Petrobras diz ter feito reuniões com autoridades de cinco desses locais em 2022 e em 2023, inclusive com missões in loco neste ano.

Em nota, a embaixada da França no Brasil confirmou que foi procurada pela Petrobras e que houve uma missão da estatal à Guiana Francesa em novembro de 2022.

"A França espera que os Estados garantam o cumprimento das normas internacionais no contexto de suas atividades em suas águas territoriais, em particular para prevenir, reduzir e controlar a poluição do ambiente marinho."

A nota cita que "o Brasil é um país soberano na gestão de seus recursos ambientais" e tem compromisso com a preservação da Amazônia e proteção do clima.

"Em 2017, a França se tornou o primeiro país do mundo a proibir a prospecção e a exploração de hidrocarbonetos em seu território, inclusive na Guiana Francesa. Nenhuma nova licença de exploração foi concedida desde 2019."

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