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Exploração na Foz do Amazonas pode afetar pesca artesanal no Pará

Região é uma das mais produtivas de atividade pesqueira, mas já vem sofrendo com a pesca industrial

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Pescador prepara suas redes de pesca na Vila de Ajuruteua, no município de Bragança (PA)

Pescador prepara suas redes de pesca na Vila de Ajuruteua, no município de Bragança (PA) Lalo de Almeida - 21.mai.23/Folhapress

Bragança (PA)

A exploração de petróleo na foz do rio Amazonas pode afetar a pesca artesanal em uma área que é uma das regiões pesqueiras mais produtivas do país, que se estende do norte do Pará ao Amapá.

Segundo pescadores artesanais que vivem na vila de Ajuruteua, parte do município de Bragança (PA), já há uma escassez de peixes na região. O problema é reflexo da chamada pesca predatória e da sobrepesca, quando mais animais são retirados do mar sem a intenção de consumo ou para suprir mercados internacionais, como o americano e o chinês.

Se a Petrobras conseguir a autorização para explorar os poços de petróleo na bacia sedimentar da foz do Amazonas, que compreende a margem equatorial, se estendendo por uma área de mais de 350 mil quilômetros quadrados, essa produção pesqueira pode ser ainda mais afetada.

"Já tem uns dez, vinte anos que não vemos mais peixe aqui na região como era antigamente. De uns anos para cá, tá muito pouco [peixe]", afirma o pescador Adiel Mescoto Miranda, 63.

Jovem observa uma embarcação navegando pelo rio Caeté, no porto de Bragança, na costa do Pará. O município é um dos principais polos pesqueiros da região.
Jovem observa uma embarcação navegando pelo rio Caeté, no porto de Bragança, na costa do Pará. O município é um dos principais polos pesqueiros da região. - Lalo de Almida/Folhapress

Ele pratica a atividade desde os oito anos, quando acompanhava o pai na pesca na região conhecida como bacia do rio Caeté. A área do vilarejo onde nasceu e vive até hoje faz parte da Reserva Extrativista (Resex) Marinha Caeté-Taperaçu, localizada entre os municípios de Bragança e Tracuateua.

Como reserva, a unidade de conservação tem autorização para o uso sustentável, e é administrada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), do governo federal.

Em geral, as Resex possuem regras para a quantidade de animais ou plantas que podem ser retiradas pelos usuários, evitando assim um desequilíbrio populacional que pode levar à extinção local de espécies endêmicas.

As reservas marinhas foram criadas por meio de decreto em maio de 2005, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Os moradores das áreas incluídas nas Resex precisam fazer um cadastro no próprio ICMBio para serem autorizados a fazer o extrativismo, seja ele vegetal ou animal.

Mas como a área só se restringe ao território marinho —embora inclua uma extensa área de manguezal, a maior cobertura do país e também ameaçada se for liberada a exploração na Foz do Amazonas–, outras atividades pesqueiras fora da área definida pelo órgão ambiental seguem sem o devido controle e fiscalização da atividade pesqueira.

"O que a gente já percebe é que a modernização da pesca industrial faz com que os pescadores artesanais já sofram por não conseguirem ter os mesmos equipamentos nem a mesma competitividade", explica a bióloga Luiza Baruch Silva, que fez um trabalho na região da costa paraense com os pescadores artesanais.

Em sua pesquisa, ela coletou relatos de moradores das comunidades que já sofrem com os impactos na região.

Um dos principais efeitos na fauna endêmica foi a pesca em excesso do peixe-serra (Pristis pristis), um tipo de tubarão que está praticamente extinto localmente. Estima-se que algumas populações do peixe-serra ainda existam na costa do Amapá, mas a exploração do petróleo pode prejudicar o ciclo de vida desse animal, uma vez que ele necessita dos berçários nos mangues para se reproduzir, e depois o adulto segue para o mar aberto.

Ranchos utilizados por pescadores na comunidade Vila dos Pescadores, próximo à praia de Ajuruteua, no município de Bragança, na costa paraense
Ranchos utilizados por pescadores na comunidade Vila dos Pescadores, próximo à praia de Ajuruteua, no município de Bragança, na costa paraense - Lalo de Almeida/Folhapress

A atividade pesqueira na região tem como principais alvos a pescada amarela (Cynoscion acoupa), a pescada-gó (Macrodon ancylodon) e a dourada (Brachyplatystoma flavicans).

Espécies como a gurijuba (Sciades parkeri), o pargo (Lutjanus purpureus) e o mero (Epinephelus itajara) não podem ser pescadas, mas esse veto não é respeitado pelas grandes embarcações.

Com isso, a pesca artesanal é afetada. "Tem muita frota de navios, grandes embarcações que passam pelo vilarejo, vão para Belém ou mais para o norte, levando muito peixe, passando mais ou menos a quatro ou cinco milhas daqui de onde a gente mora e já causa um distúrbio", explica o pescador e mestre carimbó Lázaro Fernandes, 65.

Segundo ele, que é também o representante da comunidade no conselho da Resex Marinha Caeté-Taperaçu, participando assim das reuniões junto ao órgão ambiental, se for aprovada, a exploração de petróleo irá trazer ainda mais perturbações do que a vila já vem sofrendo com a pesca predatória.

Embora esteja a 179 quilômetros da costa amapaense, o poço 59, que a Petrobras deseja explorar, está a menos de 40 km do recife amazônico, um ecossistema diverso e único que reúne espécies representantes tanto da diversidade caribenha quanto amazônica.

Muitas das espécies que se alimentam no recife se reproduzem próximos aos estuários na costa do Amapá e Pará. Um desequilíbrio causado pela diminuição da oferta de alimento e perturbação do solo recifal pode afetar essas espécies e, consequentemente, romper o ciclo reprodutivo destes animais nos estuários, trazendo, assim, consequências para as demais espécies que ali vivem.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis) negou em maio um pedido feito pela Petrobras para perfurar a bacia da foz do rio Amazonas com objetivo de explorar petróleo na região.

A reportagem contou com o apoio da Earth Journalism Network.

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