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Órgão federal alega incompatibilidade de megaempreendimento em Boipeba (BA)

OUTRO LADO: Empresa responsável pelo projeto diz que atua conforme as leis e que processo administrativo está em curso

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Salvador

A SPU (Secretaria do Patrimônio da União), órgão federal ligado ao Ministério da Gestão, contestou a implantação de um megaempreendimento turístico e imobiliário em áreas públicas na ilha de Boipeba, em Cairu (175 km de Salvador), na Bahia.

O empreendimento em Boipeba deve ocupar uma área de 1.651 hectares, equivalente a 20% da ilha de Boipeba. A área escolhida fica nas proximidades da comunidade Cova da Onça, onde vivem cerca de 700 moradores de comunidades tradicionais.

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Turista caminha na praia Ponta dos Castelhanos, na ilha de Boipeba, em Cairu (BA), onde a empresa Mangaba Cultivo de Coco quer instalar um empreendimento turístico e imobiliário - Danilo Verpa - 2.set.2018/Folhapress

Em despacho decisório de 19 de dezembro de 2023, a secretária-substituta da SPU, Carolina Gabas Stuchi, declarou a regularidade da transferência do direito de ocupação do imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos para a empresa Mangaba Cultivo de Coco, responsável pelo empreendimento.

Contudo, no mesmo documento, a SPU atestou que o projeto de construção de um condomínio no local é incompatível com a legislação patrimonial, já que prevê o "parcelamento ou desmembramento de áreas inscritas em ocupação, sem direito de preferência ao aforamento".

Na avaliação do órgão federal, haveria uma incompatibilidade do empreendimento para fatiar a área do imóvel, por se tratar de território sensível, envolvido em contexto de ocupantes de terras tradicionais e remanescentes quilombolas.

Além disso, foram constatadas irregularidades no cumprimento da legislação relativa à ocupação de imóveis de propriedade da União. A SPU apontou um rol de exigências que não teriam sido integralmente atendidas pela empresa.

O teor da nota decisória da SPU foi revelado pelo portal "O Eco" na semana passada e confirmado pela Folha nesta terça-feira (23) junto ao Ministério da Gestão.

A área do empreendimento é de propriedade da União, mas foi transferida em regime de ocupação para a empresa em abril de 2022, ainda na gestão Jair Bolsonaro (PL).

A legislação federal prevê que terrenos da União podem ser utilizados mediante um regime de ocupação. Na avaliação do Ministério Público Federal, porém, esse regime seria incompatível com áreas de interesse ambiental ou ocupadas por comunidades tradicionais, caso da Ponta dos Castelhanos.

Procurada, a Mangaba Cultivo de Coco disse em nota que sempre atuou conforme as leis e que "não seria diferente diante das decisões da Secretaria de Patrimônio da União". A empresa destacou ainda que um processo administrativo está em curso.

"Seguiremos abertos ao diálogo com representantes legítimos das comunidades e com os órgãos públicos competentes, com o objetivo de colaborar com o desenvolvimento sustentável e a conservação ambiental da região", afirmou.

O movimento Salve Boipeba, que reúne moradores e entidades contrárias ao projeto, celebrou o posicionamento da SPU. "É gratificante ver as instituições públicas trabalhando com respeito à Constituição e aos clamores da sociedade civil. É um momento de celebração, mas seguimos vigilantes", diz.

O projeto em Ponta dos Castelhanos prevê a construção de um condomínio residencial com 67 lotes, duas pousadas (uma com 25 quartos e outra com 25 casas), infraestrutura viária, píer e pista de pouso.

Também foi autorizado pelo órgão ambiental o uso de dois lotes para atividades de interesse social, incluindo um centro cultural, equipamentos esportivos e uma estação de tratamento de resíduos. A área total do empreendimento equivale à de dez parques Ibirapuera, em São Paulo.

Entre os sócios da Mangaba Cultivo de Coco estão Armínio Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos, ex-presidente do Banco Central e ex-colunista da Folha, e José Roberto Marinho, presidente da Fundação Roberto Marinho e vice-presidente do conselho de administração do Grupo Globo.

A licença para o empreendimento foi concedida pelo Inema, órgão ambiental do governo da Bahia, em março do ano passado, na gestão Jerônimo Rodrigues (PT). O documento autoriza a supressão de vegetação para construção do condomínio.

A emissão da licença gerou revolta entre parte dos moradores da ilha, sobretudo na comunidade Cova da Onça, que fica próxima à fazenda onde a empresa pretende erguer o condomínio. A comunidade tem como principal fonte de renda a pesca, a mariscagem e a coleta de mangabas.

Na nota técnica que embasou o despacho, técnicos da SPU argumentaram que, constatada a incompatibilidade do empreendimento, é necessária uma medida definitiva "vedando qualquer intervenção relacionada a projetos que tenham como escopo o parcelamento da área".

Em abril do ano passado, a SPU notificou empresa Mangaba Cultivo de Coco e determinou a suspensão das obras de construção do empreendimento.

Na época, a superintendência do órgão federal na Bahia destacou que "o único óbice para a implantação do empreendimento seria a indefinição do território tradicional".

O empreendimento ainda é alvo de uma ação do MPF na Bahia que questiona os impactos para a comunidade local, já que a região está em processo de reconhecimento como reserva de comunidades tradicionais. O órgão pede que a licença ambiental seja revogada.

Os procuradores dizem que o Inema foi informado da existência de áreas onde vivem povos tradicionais. Em ofício de agosto de 2022 ao órgão ambiental estadual, a SPU da Bahia recomendou que, por isso, não fossem autorizados empreendimentos.

À época da ação do MPF, a empresa Mangaba Cultivo de Coco disse que o projeto foi submetido a diversos órgãos públicos e que a licença concedida está vinculada ao cumprimento de 59 condicionantes socioambientais.

Afirmou, ainda, que o projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos prevê construções em menos de 2% da área total da propriedade, e supressão vegetal em 0,17%, o que garantiria a preservação da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba.

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