Descrição de chapéu Planeta em Transe

Projeto de madeira apoiado por Alcolumbre e Randolfe tem empresa multada e atropelo no Incra

OUTRO LADO: TW Forest diz que nunca foi autuada por extração ilegal, e Incra afirma que alerta foi ignorado; para Randolfe, manejo é solução na amazônia

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Manaus e Rio de Janeiro

Um projeto de exploração de madeira em área preservada da amazônia, no Amapá, envolve uma empresa que já foi multada três vezes pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por recebimento irregular de madeira nativa.

Uma multa, no valor de R$ 120,2 mil, foi aplicada quatro meses antes da concessão da autorização para o projeto. As outras duas, que somam R$ 10,1 mil, se referem a infrações cometidas dois meses depois, como consta no sistema de consulta pública do Ibama.

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) deu anuência à exploração de madeira mesmo com a existência de dois pareceres técnicos e dois despachos internos contrários a esse aval. Um dos pareceres aponta viés empresarial do projeto e suspeita de falsificação de assinaturas de beneficiários.

Madeiras empilhadas
Projeto de exploração de madeira em assentamento agroextrativista em Mazagão (AP) - Divulgação/Governo do Amapá

"Apesar do alerta, houve a anuência por parte da gestão anterior da superintendência do Incra no Amapá", disse o órgão em nota à Folha. Uma comissão técnica foi criada pelo instituto para diligência e vistoria no projeto.

O plano de manejo florestal sustentável, autorizado em área do PAE (Projeto de Assentamento Agroextrativista) Maracá, em Mazagão (AP), é divulgado pelo governo do Amapá como o maior do país. Envolve 172 mil hectares de floresta, quase um terço da área do assentamento, onde vivem 1.993 famílias, segundo dados do Incra.

A área para a retirada de madeira, dentro de um projeto que prevê seleção das árvores a serem derrubadas e manejo sustentável da atividade, equivale a mais de mil parques Ibirapuera, em São Paulo. As empresas responsáveis são a TW Forest e a Eco Forte Bioenergia, conforme o governo do Amapá. Elas integram um mesmo grupo.

O projeto contou com articulação do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) junto ao Incra e com apoio do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que fez divulgação da iniciativa e da atuação da empresa.

Alcolumbre quer voltar a presidir o Senado em 2025. Randolfe é líder do governo Lula (PT) no Congresso, e deixou em 2023 a Rede Sustentabilidade –partido de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima– por defender a exploração de petróleo na costa amazônica, na bacia Foz do Amazonas, num bloco na altura de Oiapoque (AP).

O governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), que divulga o projeto como o maior do país, atribui a Alcolumbre um papel "fundamental", com "mobilização" em Brasília e junto ao Incra.

Pareceres técnicos do Incra no Amapá apontaram problemas no plano de manejo e recomendaram que a anuência não fosse dada à associação responsável, a Atexma (Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Maracá), até que houvesse segurança jurídica para o órgão federal, responsável por assentamentos rurais.

Em nota, TW Forest e Eco Forte afirmaram que são empresas sérias e que o projeto inibe extração ilegal de madeira, além de envolver os assentados por meio do pagamento de bolsas em dinheiro.

"A comunidade local tem enviado diversos elogios e agradecimentos pelo trabalho", cita a nota. "Em 2023, a Eco Forte Bioenergia foi à COP28 [conferência da ONU sobre mudanças climáticas], em Dubai, apresentar os resultados do projeto ao resto do mundo."

A TW Forest está no Amapá desde 2003 e tem parque industrial bem estabelecido, disse. Em 20 anos, houve apenas as multas de 2023, referentes a "falhas documentais que foram sanadas". "A empresa jamais foi autuada por exploração ilegal de madeira. A maior das multas se deve a erro do próprio poder público, não da empresa, motivo pelo qual foi contestada."

Clécio olha para árvore
Visita do governador Clécio Luís e do senador Davi Alcolumbre ao projeto de exploração de madeira em assentamento agroextrativista, em Mazagão (AP), em 22 de janeiro de 2024 - Governo do Amapá/Divulgação

A Sema (Secretaria do Meio Ambiente) do Amapá afirmou, em nota, que as multas aplicadas pelo Ibama ainda estão em processo administrativo. Um relatório, após vistoria de Sema e Ibama, concluiu que inexistem irregularidades, disse o órgão do governo local, em relação à multa aplicada em abril.

A reportagem não conseguiu contato com a Atexma, associação responsável pelo projeto, e enviou mensagem por canal disponível em rede social. A entidade não respondeu.

Procurado pela Folha, Randolfe afirmou que não tinha conhecimento sobre as multas e que conheceu o projeto em 2023. Ele disse desconhecer pressão política sobre o Incra. "Para um primeiro projeto, a empresa venceu uma licitação. Manejo sustentável é a solução para a amazônia, qualquer ambientalista sabe disso. Maracá tem uso racional e endereçamento da madeira, sem exploração predatória."

Já Alcolumbre afirmou que os questionamentos devem ser feitos à empresa e às autoridades ambientais. "O senador continuará atento e firme para que o Amapá avance a cada dia mais rumo ao desenvolvimento sustentável, sempre respeitando e preservando o meio ambiente", disse, em nota.

Entre os pontos problemáticos elencados por técnicos do Incra, estão a falta de participação dos assentados no processo produtivo, assim como uma ausência de capacitação, inexistência de assembleia-geral para aprovação de cortes de espécies e um viés empresarial da atividade, com intensidade máxima de corte —de 30 m3 por hectare.

Um parecer apontou ainda suspeita de falsificação de assinaturas de beneficiários, com encaminhamento de denúncia para investigação por PF (Polícia Federal) e MPF (Ministério Público Federal).

Técnicos do Incra afirmaram que contratos assinados pela Atexma, antes mesmo da anuência definitiva pelo órgão federal, caracterizam concessão de uso a empresas para exploração de madeira. Os contratos foram firmados em janeiro de 2021 e juntados aos autos no Incra somente em dezembro de 2022, conforme parecer técnico.

O Incra confirmou que os contratos deveriam ter sido apresentados ao órgão para aprovação e que isso não ocorreu. A Procuradoria Federal com atuação no Incra no Amapá recomendou providências administrativas, com a necessidade de instauração de processo de fiscalização. "Nenhuma apuração administrativa foi feita na época", disse o Incra, em nota.

Uma das empresas previamente contratadas é a Eco Forte. Ela se confunde com a TW Forest, conforme as divulgações feitas pelo governo do Amapá —composições societárias informadas à Receita Federal indicam sócios da mesma família.

O então superintendente do Incra no Amapá, Fábio da Silva Muniz, discordou dos pareceres técnicos, apontou urgência na autorização e determinou emissão imediata da anuência, em razão do que considerou como possibilidade de geração de centenas de empregos e de renda a 1.013 famílias.

A ordem do superintendente foi dada em março de 2023, terceiro mês do governo Lula. Em maio, ele foi exonerado do cargo, para o qual foi nomeado em 2016, no governo Michel Temer (MDB).

A TW Forest é a executora do plano de manejo de madeira, segundo o governo do Amapá, que concedeu as autorizações para o projeto. A divulgação da concessão das autorizações foi feita em setembro de 2023.

O projeto tem prazo de 14 anos. Às famílias do assentamento –mais de mil, segundo o governo estadual– passou a ser paga uma "bolsa floresta", no valor de R$ 1.058. Ao todo, o projeto entrega R$ 1 milhão por mês, ou 98% dos recursos da extração da madeira, conforme o governo do Amapá.

Em 20 de abril de 2023, a TW Forest cometeu infração ambiental em Mazagão relacionada a recepção de madeira sem exigir licença ou sem a via necessária para o transporte do produto, conforme o Ibama.

Depois, em novembro do mesmo ano, infrações semelhantes foram cometidas. O sistema de consulta do Ibama dá mais detalhes sobre uma dessas multas. A TW Forest manteve em depósito 4,9 m3 de piquiá e 7,5 m3 de angelim vermelho, em toras, sem o chamado DOF (documento de origem florestal).

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