Alcolumbre poupa Bolsonaro no 8/1, se diz fã de Aras e defende mais poder ao Congresso

Em entrevista à Folha, senador admite disputar presidência do Senado e nega campanha contra o STF

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Brasília

Impedido de tentar o segundo mandato como presidente do Senado em 2021, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) admite disputar a presidência da Casa em 2025.

Em entrevista à Folha, ele trata o episódio passado como superado e afirma que, "se os senadores quiserem", ele vai aceitar.

Mesmo longe da cadeira de presidente há três anos, Alcolumbre mantém seu poder atuando fora dos holofotes, é padrinho da indicação de três ministros no governo Lula (PT), controla e distribui emendas e, também por isso, é peça fundamental na articulação no Senado.

Davi Alcolumbre (União-AP) em seu gabinete no Senado durante entrevista à Folha - Gabriela Biló/Folhapress

Na entrevista, ele se diz "menos poderoso do que pensam", se recusa a falar de assuntos como Lava Jato, tira a responsabilidade de Jair Bolsonaro (PL) nos ataques golpistas de 8 de janeiro e se mostra fã de Augusto Aras, ex-procurador-geral criticado por ter engavetado investigações.

Alcolumbre também defende mais poder do Congresso sobre o Orçamento e nega existir uma campanha do Senado contra o STF (Supremo Tribunal Federal).

A rejeição do nome indicado para a Defensoria da União demonstra que o governo Lula não pode contar com o Senado?

Não. Eu acho que o governo está contando muito com o Senado. Todas as matérias relevantes para o governo passaram com certa facilidade. Tem, logicamente, as visões políticas de partidos que são base do governo, oposição e muitos senadores independentes. Acho que a maioria dos senadores, mesmo apoiando o governo nas matérias importantes e fazendo parte dessa construção política, se coloca em posição independente.

O sr. tem alguma conta sobre a base?

O governo tem, no Senado, mais de 45 votos. Eu acho. E acho que tem algumas matérias que o governo pode ter interesse e que a oposição pode se juntar, eu acho que eles têm 25 votos. E tem 10, 15 senadores aí meio que definindo, sendo [o grupo] fiel da balança.

O próprio governo faz a leitura de que a relação com o Congresso tem sido mediante "pagamento à vista".

Eu sei que o governo defende a coalizão. E eu também defendo. Acho que essa construção é feita com mais intensidade do que nós vivemos no governo passado. O ex-presidente Bolsonaro tinha restrições quando começou a governar o Brasil. Lula sempre falou que queria uma relação onde os partidos e as pessoas pudessem colaborar com o governo. E isso está acontecendo.

É o toma lá, dá cá?


Não, é composição. A gente não pode esquecer que a proposta vitoriosa nas eleições foi por 51% a 49% [dos votos]. Você tem um Congresso de centro-direita.

Na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça], que o sr. preside, houve a aprovação de projetos do senador Sergio Moro. Depois, o governo foi derrotado no marco temporal e na PEC do Plasma. A impressão é a de que o sr. está sempre pressionando o governo.

Não, estou sempre ajudando o governo. É a narrativa que se passa na rua. É o contrário do que acontece. Quando a CCJ começa a trabalhar, a crítica é que eu estou atrapalhando o governo. Esse é o dilema grande de quem tem que decidir as coisas. Eu vivo isso na CCJ e tenho certeza que o presidente Arthur Lira vive isso na Câmara, o presidente Rodrigo Pacheco vive isso no Senado.

Se eu colocar para votar na CCJ as prioridades dos líderes, precisa de quatro Brasis para pagar a conta. Estou ajudando os brasileiros e ajudando o Brasil sem pautar coisas que não é nem o governo que não quer, é o Brasil que não resiste.

E na CPI do 8/1, por que o sr. cedeu informalmente sua vaga ao Moro?

Eu não cedi o lugar para o senador Moro. Eu tenho muitas atribuições que não é ficar sentado numa CPI acompanhando o debate de governo e oposição. Tenho que cuidar também do Amapá e do Brasil. Eu não vou parar a minha agenda para ir para a CPI.

Na votação das offshores na Câmara, o partido mais infiel foi a União Brasil. É um desempenho adequado para um partido com três ministérios?

Eu nem acompanhei a votação. Mas a gente precisa fazer uma reflexão. A União Brasil é um partido de centro-direita. Dos 59 deputados, tem uma conta que pelo menos 15 já anunciaram que não votam com o governo. Você passa a ter um partido de 45. Isso está precificado, todo mundo já sabe.

Quando o sr. indicou os ministros isso já estava na conta?

Não fui eu que indiquei os ministros, [foi] o partido. As pessoas consultam o senador Davi Alcolumbre por ser vice-presidente do partido, por ser da Executiva nacional, por ser ex-presidente do Senado.

Então o sr. não tem nenhum ministério?

Não, eu tenho uma indicação, do ex-governador Waldez Góes [ministro da Integração], que tem relação pessoal com a esquerda porque é do PDT. A União Brasil aceitou que uma pessoa filiada a outro partido, com uma experiência extraordinária, pudesse ocupar um ministério muito relevante.

Falando assim, parece que o sr. concorda que fez uma indicação, mas não se responsabiliza pelas outras duas.

Eu participei e me responsabilizo por todas as três [indicações] da União Brasil. Como todo o partido participou.

Quando a gente conversa com parlamentares sobre emendas, é comum ouvir que o sr. tem forte influência sobre o processo. Como funciona?

Primeiro, eu sempre defendi emenda. Sempre defendi que o parlamentar possa ter a condição de chegar nos rincões do Brasil onde o Estado brasileiro não vai chegar.

Mas que controle o sr. faz disso?

Controlo as minhas emendas. Eu tenho, como senador, recursos individuais, as emendas da nossa bancada e eu trato politicamente isso com os prefeitos do meu estado e com o governador.

Da sua parte.

Da minha parte. E da bancada do Amapá como coordenador.

De onde vem o poder do sr.?

Eu não tenho esse poder todo que falam. É porque eu converso muito com as pessoas. Eu escuto a necessidade. Quando eu percebo que é uma coisa simples, eu faço um encontro, levo no ministério, ajudo na relação.

Qual é a participação do sr. na presidência do Pacheco?

Eu sou um grande apoiador e entusiasta de um dos maiores líderes políticos do Brasil.

Existe uma cruzada contra o Supremo. Qual a opinião do sr.?

Não tem. A nossa relação é uma das melhores possíveis. O Supremo começou a ser muito atacado quando criaram CPI da Lava Toga, impeachment de ministro. Se você pegar meus dois anos na presidência do Senado, foi o momento em que eu fui mais atacado.

Era muito cômodo, se eu quisesse ser aplaudido por um milhão de pessoas na Paulista, abrir o impeachment de um ministro do Supremo. Eu fiz o certo, não abri.

Mas acha que é preciso fazer mudanças no Supremo?

A minha opinião é que tem que debater tudo. Quem tiver voto vai ganhar. Acho que a gente tem que prezar todo dia para cada um ficar dentro da sua esfera de atribuição. Muita gente inflama. Quando as pessoas falam que o Senado enfrentou o Supremo na votação do marco temporal, eu discordo totalmente. A [então] presidente [do STF] Rosa Weber botou na pauta uma agenda que estava paralisada há muito tempo. O Senado botou a sua também, que estava paralisada há muito tempo.

O Supremo está legislando?

É a reclamação.

O sr. concorda?

Não, é a reclamação. Tem uma coisa que poucas pessoas falam nos dias de hoje. Ano passado, alguns congressistas estavam propondo uma emenda constitucional para aumentar de 11 para 15 ministros da Suprema Corte. Quando essa conversa começou, muitos senadores, inclusive eu, foram contra. Então eu estou enfrentando o Supremo ou eu estou protegendo o Supremo?

O sr. se sentiu traído quando a maioria do STF proibiu o sr. de disputar a reeleição de 2021?

Não, foi decisão judicial. A gente não discute, recorre. Como não tinha mais ninguém para recorrer, está tudo certo. Se você explicar para uma pessoa normal que todo mundo teve o direito de se candidatar novamente e que eu não tive só porque eu estava na mesma legislatura, ninguém vai entender. Não tem lógica.

E agora, o sr. está pronto para começar a campanha para a presidência?

A minha campanha prioritária já deu tudo certo ano passado [quando conseguiu a reeleição como senador]. Aqui no Senado, se você perguntar quem não pode ser candidato, só o Rodrigo não pode, porque ele já foi duas vezes. Então eu fico esperando o dia e a hora da decisão para ver o que Deus reserva para a gente nessa trajetória.

O sr. quer?

Se os senadores quiserem, eu vou aceitar.

Como está a relação com o núcleo bolsonarista do Senado?

Eu tenho relação pessoal com todas as pessoas. Eu trato com todas as pessoas, eu trato com os senadores do PT, do PL...

Há uma avaliação de que o sr. e o Pacheco estão acenando à ala bolsonarista.

Não é. A construção é na relação pessoal e institucional. Fico recebendo as demandas de todos os blocos. Recebo do PL, do PP. Fui deputado com o Ciro Nogueira [PP-PI]. Eu não posso conversar com o Ciro Nogueira, que foi ministro de [Jair] Bolsonaro? Ele é meu amigo. São oposição ao governo, mas são senadores, tenho que tratar com eles.

O sr. acha que Jair Bolsonaro fez por merecer a inelegibilidade?



Processo eleitoral é complicado. Quem tem que falar dele é quem estudou o processo. São os magistrados que leram, os advogados que leram. Eu não sou parte desse processo, então eu acompanho o resultado final.

Mas o senhor vê responsabilidade de Bolsonaro no 8/1?

Acompanhei aquilo, um absurdo, repudiei veementemente, mas eu acho que nós temos que construir esse Brasil para o futuro. Acho que não é responsabilidade de uma pessoa, é responsabilidade dessa polarização.

Como está a relação com Bolsonaro?

Trato questões políticas com o senador Flávio Bolsonaro, que é meu amigo. Assim como sentei com o presidente Lula —eu nunca tinha apoiado o presidente Lula—, me comprometi a ajudar o governo. Tenho relação construída na política e tenho relação com todos os senadores do PL.

O sr. se encontrou recentemente com Jair Bolsonaro?

Não encontrei. Todo mundo falou [isso], e eu nunca falei que eu não encontrei. Eu deixo falar. Mas estou dizendo em primeira mão que eu não encontrei. Eu sou amigo do Valdemar Costa Neto [presidente do PL] há muitos anos. O Amapá tem um deputado muito amigo do Valdemar, o Vinícius Gurgel. O Gurgel, numa reunião do PL, marcou para eu tomar um café com o Valdemar. E eu fui visitar o Valdemar, fui conversar com ele.

Como o sr. vê os reveses da Lava Jato?

Não tenho acompanhado isso. Estou cuidando da política aqui.

O sr. faz parte da política.

Pois é, mas eu não estou acompanhando isso. Questões jurídicas, está tudo certo. É advogado que tem que responder isso aí.

Houve excesso na Lava Jato?

Não estou focado nisso, estou cuidando de outras coisas.

Qual o saldo de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República?

Eu acho que o doutor Augusto Aras foi um grande Procurador-Geral da República.

Por quê?

Porque acho que foi. É o conceito que tenho. É um grande procurador, é um grande servidor público, foi um grande procurador da República.

Ele é visto como engavetador.

Por algumas pessoas. Eu o vejo como uma pessoa que deixou as coisas acontecerem e cada um cumprir com as suas obrigações. É por isso que eu admiro ele. Ele fez o papel onde não atrapalhou nem um lado, nem outro.

Também atribuem ao Aras o início da morte da Lava Jato.

Ah, não sei disso. Sei que é um grande brasileiro e eu acho que ele foi um dos grandes procuradores da República.

O sr. tem um candidato para a PGR atualmente?

Não tenho. Parece que estão conversando. Meu candidato era o Aras.

Não vai dar para ele?

Ainda não teve decisão. Meu candidato era o mesmo do Jaques Wagner [líder do governo no Senado], o Augusto Aras [risos].

O sr. acha que Lula vai avançar na autonomia do Orçamento, no domínio das emendas?

Acho que o Congresso cada vez mais deveria controlar o Orçamento. O governo tem suas atribuições e tem as suas condições de fazer as políticas públicas. E o Congresso também tem que ter a sua.

Qual a situação da Reforma Tributária?

A minha impressão é que está consolidada a tese da importância da Reforma Tributária para o Brasil.


RAIO-X | Davi Alcolumbre, 46

Foi presidente do Senado entre 2019 e 2020 e é o presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Sem poder disputar a presidência do Senado pela segunda vez, ajudou a eleger o atual presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Foi deputado federal por três mandatos e vereador de Macapá (AP). Indicou três ministros no governo Lula pela União Brasil.

Erramos: o texto foi alterado

Por erro de edição, em versão inicial da reportagem, as frases "O próprio governo faz a leitura de que a relação com o Congresso tem sido mediante 'pagamento à vista'" e "Houve excesso na Lava Jato?" foram creditadas como respostas do senador Davi Alcolumbre. Elas eram perguntas dos repórteres.
 

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