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Planeta em Transe mudança climática

Fatalismo domina percepção sobre mudança climática

Embora 97% dos brasileiros percebam alteração no dia a dia, 58% acham impossível reverter a crise

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São Paulo

À primeira vista, a pesquisa Datafolha sobre atitudes de brasileiros acerca da crise do clima traz boas notícias: 97% deles percebem no dia a dia a mudança climática. O dado quase não varia nos diferentes segmentos —gênero, escolaridade ou idade.

Não é de estranhar, sendo tão recente a tragédia das inundações no Rio Grande do Sul. Não bastasse, o noticiário sobre recordes de queimadas no pantanal aguça a percepção pública para algo que a ciência há muito previa e hoje atesta sem margem para dúvida.

Talvez o fator mais determinante para essa opinião unânime decorra da repetição de eventos extremos, como secas incendiárias, ondas de calor mortíferas e tempestades avassaladoras. Em 2020 o fogo já devastara o pantanal, e o Sul fora açoitado por sucessivas chuvas torrenciais no segundo semestre de 2023.

Dentro de ônibus, mulher usando blusa azul seca o suor do rosto com lenço
Mulher seca o suor, tentando se refrescar durante onda de calor em São Paulo (SP) - Ronny Santos - 16.nov.2023/Folhapress

Com a reincidência e o porte desses desastres, muita gente passou a ter experiência direta com flagelos. Ao Datafolha, 65% relataram ter enfrentado calor extremo, assim como 33% apontaram chuva intensa ou tempestade e 29%, seca extrema. Só um quarto (23%) afirmou não ter vivido nenhum desses eventos.

Eram favas contadas que a maioria dos 2.457 brasileiros entrevistados pelo Datafolha, de 17 a 22 de junho, acusaria os golpes seguidos do aquecimento global, diante da avalanche de imagens dantescas a cada noite na TV. Poucos ainda negam a mudança climática, mas isso não significa que o negacionismo morreu.

Só 77% dos ouvidos atribuem as alterações aos gases do efeito estufa produzidos pela atividade humana, como a queima de combustíveis fósseis (derivados de petróleo, carvão e gás natural), o desmatamento e a agropecuária. Um contingente expressivo de 20% prefere enxergar causas naturais para a crise.

Menos gente ainda, 53%, diz acreditar que o fim da normalidade seja um risco imediato para a população da Terra. Outros 43% afirmam que o impacto afetará apenas as gerações futuras.

Quase um terço dos entrevistados (31%) avalia haver exagero de pesquisadores e ambientalistas quanto a impactos da mudança climática. Esse grupo de céticos alcança 43% entre pessoas que têm nível fundamental de escolaridade.

O dado da pesquisa que causa mais alarme aponta um excesso de fatalismo: 58% dos brasileiros opinam que a humanidade será incapaz de reverter a crise do clima. Meros 31% consideram possível manter o clima sob relativo controle, e 7% dizem que não faz diferença para a humanidade ou a natureza.

Esses bolsões remanescentes de ceticismo climático refletem o sucesso parcial da propaganda negacionista em sua tática de semear dúvidas múltiplas e variadas. Quando se torna impossível contradizer a existência do aquecimento global, dado o acúmulo de evidências e medições, lança-se suspeita sobre a contribuição humana para o fenômeno.

No mesmo diapasão, argumenta-se que a sociedade humana não tem meios para contra-arrestar fenômenos em escala planetária. Em paralelo, assegura-se que os impactos não serão tão graves assim, quem sabe até benéficos.

E pensar que há supostos cientistas dispostos a propagar tais fake news, em realidade pesquisadores argentários, aposentados ou desacreditados. Essa traição à ciência tem consequências, porém.

Embora tenha muito a perder com o desvario climático, a banda atrasada do agronegócio aplaude os mercadores de dúvidas e ajuda a eleger parlamentares, sobretudo no centrão, que tanto retrocesso impuseram à pauta ambiental no governo Bolsonaro (PL) e ainda dão suas mordidas sob a ambivalência de Lula (PT).

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